A hipocrisia é uma das mais marcantes características da sociedade
portuguesa, melhor dito, de estratos da sociedade portuguesa, sendo o da Oposição
e o da maior parte da opinião publicada bem exemplificativos.
Quando se constatou que Portugal não poderia passar sem
um pedido de ajuda externa, logo se constatou igualmente que os tempos que
estariam para vir seriam duros, muito duros. Havíamos andado a folgar, a rir e
a cantar por tempo demasiado e essa postura de irresponsabilidade colectiva
iria sair-nos caríssima, como era inevitável que acontecesse.
Quando o pedido de ajuda foi feito e conhecidos os
termos do memorando, mais se acentuou a percepção de que o futuro iria ser tudo
menos risonho por um período alargado e tanto mais alargado quanto menos decididamente
e com custos reais para o conjunto da nação, o problema fosse atacado.
Ora, os custos a suportar – toda a gente com dois dedos
de testa o sabia – teriam que fazer-se sentir na diminuição dos rendimentos da
população (rendimentos fictícios, como se sabe, por não terem sustentação real
no esforço nacional e respectiva produção, pelo que o suporte vinha quase
exclusivamente dos impostos que os nossos parceiros europeus pagam).
E a diminuição dos rendimentos gerais teria que
resultar – também todos o sabíamos – da abolição de direitos sem suporte e de
regalias sem amparo.
A abolição de direitos e de regalias é evidente que
teria que visar a diminuição de salários e a perda de emprego para muita gente
e bem assim a suspensão de subsídios e outras prebendas similares.
Pretender-se que assim não fosse é ser-se muitas coisas
e todas elas pouco dignas, mas, logo em primeira mão, completamente idiota.
Alguém em seu juízo perfeito, de boa fé e consciente
das realidades é capaz de vir dizer que, quando lá no respectivo agregado
familiar as coisas correm mal sob o ponto de vista económico, a atitude que
toma é a de viver como se tivesse ordenado de nababo, em vez de realisticamente
apertar o cinto?
Quando no agregado familiar as coisas correm mal,
continua-se a pagar à mulher-a-dias ou dispensam-se-lhe os serviços e começa-se
a passar a ferro por si mesmo? E, quando se dispensa a mulher-a-dias o
dispensante é um patife fascista ou está a zelar pelos interesses do agregado
familiar?
Ora, um país mais não é do que um agregado familiar de
proporções gigantescas.
Como é que pode alguém bem intencionado pretender que
numa situação como aquela em que nos puseram, os níveis salariais se
mantivessem intocados e o desemprego ao nível percentual anterior à crise?
Mas isso contradiz tudo o que o senso das realidades
determina. Assim sendo, não estaríamos em crise. E estamos assim, precisamente
porque alguém nos meteu em crise. E nós ajudámos à festa. Já elegendo-os, mesmo
quando vimos que não serviam e que estavam a tramar-nos, já levando vida de
ricos, quando não passávamos de pelintras, a viver à custa de terceiros.
Só esta última condição, a de termos vivido tantos anos
à custa do esforço e dos impostos alheios, devia ser tal motivo de embaraço
para todos nós que uma postura de dignidade obrigar-nos-ia a manter uma atitude
de recato e a trabalhar duramente para pagarmos o que devemos e sairmos
rapidamente deste lamaçal.
Para nunca mais nele deixarmos que alguém nos metesse.
Pois bem, não é isso a que temos vindo a assistir, o
que revela bem a falta de brio e hipocrisia que assola a sociedade portuguesa
actual, de que são bem representativas as atitudes dos que isto causaram e
agora começam a querer aparecer como se limpos estivessem e os culpados sejam
aqueles que estão a esforçar-se por devolver a dignidade ao país e aos seus
cidadãos.
Com sacrifícios, sim. Porque sem sacrifício ninguém
consegue seja o que for. Porque é o sacrifício que limpa a alma e redime o
pecador.
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