Os portugueses têm de salvar-se de si próprios, para salvarem Portugal

sábado, 9 de agosto de 2008

1713. Resposta a Ery Roberto

O confrade Ery Roberto do blog Infinito Positivo, inseriu o post que intitulou O acordo além da ortografia e que poderá ler se se der ao trabalho - bem justificado, aliás - de seguir o link.

Pretendi responder-lhe lá, mas o comentário foi cortado pela cintura, suponho que por incapacidade da caixa de comentários do blog. Por esse motivo, respondo aqui, do que dei prévio conhecimento ao Ery. Fá-lo-ei depois de refazer a parte amputada do
maledetto comentário. Que pode não ser hoje, dado que outros valores mais altos se alevantam...
09.08.2008 - 16,30horas

* * *

Viva, Ery!

<span class=Gravatar" title="Gravatar" style="margin: 2px; padding: 1px; float: right; font-family: verdana;" class="gravatar"> Descontando a circunstância de grande parte dos termos "portugueses de Portugal" por si usados no início, a título de exemplo, serem mais do tempo de D. Pedro e dos portugueses de há décadas e décadas radicados aí no Brasil - para onde foram em condições que todos conhecemos, do mesmo modo que um mar de brasileiros para aqui tem vindo de há duas décadas para cá, com a única diferença de que os vossos emigrantes de agora têm uma preparação escolar bem diversa dos nossos de então, até por força da ausência de similitude das épocas em que se verificaram ambos os fenómenos migratórios, já que a nossa emigração actual é bem outra também - concordo com o que o Ery escreve.

E não poderia estar mais de acordo igualmente com o que afirma o Valter Ferraz, quando se manifesta contra uma reforma ortográfica por "decreto".

Essa, na verdade, não lembraria ao diabo. Lembrou aos filhos do diabo!

Mas vamos devagar e por partes:

* Alguma vez alguém ouviu falar em acordos ortográficos ou de terminologia na Commonwealth?
* Alguma vez alguém ouviu falar em acordos ortográficos ou de terminologia anglo-americanos?
* Alguma vez alguém ouviu falar em acordos ortográficos ou de terminologia entre os países francófonos?
* Alguma vez alguém ouviu falar em acordos ortográficos ou de terminologia entre os países de língua espanhola?

E eles não se entendem? E, por outro lado, não nos temos entendido nós também? Então, por que carga de água se complica o que por natureza é simples, não despertando desejos de cisão? E falo apenas de nós, "brasucas" e "portugas", porque o que está em causa neste escrito são apenas essas duas vertentes. Mas há que não esquecer os restantes seis países (se não contarmos com o português do território autónomo de Macau e dos nossos compatriotas, brasileiros e portugueses, disseminados aos milhões por esse mundo de Deus), que merecem igual consideração.

Entendo que bastará esta constatação, para se chegar ao ridículo de tudo isto.

Faço agora uma pequena pausa, para dar tempo a que quem me lê possa concentrar-se no ridículo...

* * *

Chega de concentração? Então, prossigamos.

É que nem a explicação que é dada para uma tal idiotia teria pernas para andar não fora as que lhe são dadas pelo anormal "decreto", congeminado por gente... pouco normal.

* Que são razões económicas, atiram para cima da mesa os defensores da reforma. Cretinice!

Os negócios fazem-se, assim ou assado. A valer a argumentação, então estariam inviabilizados todos os negócios entre chineses e árabes, gregos, russos e japoneses e entre todos eles e os países da chamada escrita ocidental.

* Que nos "fora" internacionais há grandes dificuldades na adopção da língua portuguesa, por força da grafia. Pantominice!

Nos "fora" há tradutores. Pagos. Portanto, pague-se-lhes, obrigue-se-os a trabalhar como deve ser e... acabou-se a treta.

* * *

Mas também os soi-disant intelectuais portugueses opositores da reforma têm andado mal ou, por outra, nem mal nem bem. De rastos.

Oporem-se porque a reforma conduzirá a um "abrasileiramento" da língua é tolice, que, não fora o bom senso popular, poderia provocar como reacção um certo crispar de posições de ambas as partes. Sem qualquer necessidade. Até porque o argumento só pode ter saído de mentes complexadas e muito confusas, elas também.

Curiosamente, porém, as mesmas luminárias, já não se mostram nada apoquentadas quando, em artigos de opinião de jornais e revistas (mas não só...) se servem de inúmeros vocábulos e até de expressões inteiras, tanto de línguas anglo-saxónicas, como francófonas e... e.... e...

Antes de que me interpele dizendo-me que também o faço, dir-lhe-ei que sim, pois claro que faço. Mas eu não me arrogo de purista ortodoxo da língua portuguesa, porque entendo - e defendo - a dinâmica da língua. E a língua inglesa, por exemplo, com a sua capacidade de síntese, é uma tentação.

Se as coisas fossem como pretendem
os auto-proclamados intelectuais, ainda hoje nos serviríamos do português de Cabral. Ora, como disse acima, nem do do Ipiranga fazemos uso já...

Quanto à questão da recíproca compreensão, do reflexo entendimento, bem, aí a história é um pouco diferente, porque, na verdade, há um certo desfasamento entre nós.

Não da nossa parte, que não nos queixamos, já que vos compreendemos sem qualquer dificuldade. Talvez porque já desde 22 de Agosto de 1415 estamos muito habituados a conviver - com melhores resultados em alguns casos do que em outros, é certo, mas com um saldo bem positivo - com povos de todo o mundo e, quase seria levado a dizer, arredores (lá iremos, lá iremos, que o dia ainda não acabou...). Vantagens dos nossos cosmopolitismo universalista e mimetismo social, que nos levam a adaptarmo-nos com inusitada facilidade a qualquer ambiente para que sejamos transplantados, e até, em prazo assombrosamente curto, a confundirmo-nos com os aborígenes. A não perder de vista, por bem elucidativo, que Deus criou o branco e o negro e o português o mulato. Isso, como tantos outros feitos, aliás, ninguém nos pode tirar. Por muito que tente.

Vocês amigos, porém, queixam-se amiudadamente de que têm muita dificuldade em entender o nosso linguajar. Embora dificilmente perceba a vossa dificuldade em perceber-nos (não fora a vossa bem conhecida tendência para a música, diria que a questão é de mera dureza de ouvido...), sempre lhe direi que nem isso é grande obstáculo pois que, com um pequenino esforço da vossa parte, desde que haja boa vontade, como estou certo de que há, nada é intransponível. Mesmo sem acordo. Porque o acordo que interessa é entre o Zé Carioca e o Zé Povinho. Tudo o resto, amigo, são balelas! E interesses comerciais, ok, mas não do interesse de ambos os povos.

* * *

Aqui chegados, deixe-me que lhe diga que, embora o acordo vos seja muito mais favorável do que a nós - que nele apenas encontramos inconvenientes - não é essa circunstância que me torna adversário da maledetta reforma.

Não. Não tenho esse tipo de complexos e até compreendo que, num universo de 240 ou 250 milhões de falantes, não deixa de ter alguma lógica que se conceda uma certa prevalência às particularidades linguísticas de 180 desses muitos milhões, em detrimento das de apenas 10 mirrados milhõesitos, muito embora - note-se! - a vossa grafia seja - e peço-lhe que interprete isto que vou dizer pelo valor facial que tem e não por outro qualquer - uma corruptela do português letrado vindo directamente da culta língua-mãe, o latim.

No entanto, a única coisa que entendo que deve ser-vos facultado é o impostergável respeito pelo vosso sotaque - de cuja sonoridade muito gosto, aliás - exigindo, em contrapartida, que me parece justa, respeito pela nossa algaraviada. Se isso acontecer, e nada há que me leve a pensar que não tem acontecido, julgo não existir seja o que for passível de critica no que existe há 508 anos, portanto com provas sobejamente dadas, para que se queira alterar agora, sem fundamentação minimamente coerente e convincente.

Descaracterizarmo-nos mutuamente é tremenda burrice, crime de lesa património linguistico, só de admissível congeminação por mentes doentias. É como que pegar em peixe e carne e de ambos querer fazer uma mistela que nem é carne nem deixa de ser peixe ou ipso facto paralelamente e vive-versa, em que ninguém se atreve a meter o dente, não só por recear parti-lo, como por compreensível repugnância. Ou seja, uma grandíssima e mal cheirosa merda!, com licença de Vocelências, ó Excelências que tal aborto pariram!

* * *

Tudo isto até porque, se vocês quisessem continuar portugueses, certamente que não teriam deixado que D. Pedro se fosse pôr aos gritos em Ipiranga; se nós quiséssemos ser brasileiros, teríamos ficado por aí com o mesmo D. Pedro. Ora, nem vocês o impediram de gritar a plenos pulmões para aqui ser ouvido, nem nós estivemos para suportar tamanha gritaria.

* * *

Resumindo, vou concluir porque o comentário já vai longo, há muito parecendo ter abandonado a intenção de comentário, tendo passado pela de post e estando à beira de arrogar-se o direito de ser considerado artigo de opinião em jornal de referência e tiragem enorme. Não sendo esse o propósito, I must put some brakes on (Do you see what I mean?).

;-)

Não é verdade que, como percebeu Pessoa, a minha pátria é a Língua Portuguesa? Natural, pujante, sem formalismos condicionadores e redutores, perfeitamente idiotas, digo eu? Sim? Então, se é, pode a pátria ser traída? Não? Então, que fazer a quem a trai?

Abraço transatlântico para si, também para o Valter e, mais, para todos os brasileiros, os daí e os de cá, com votos de que acordemos, sim, mas sem necessidade de acordos.

10.08.2008 - 00,05horas

Ruben Valle Santos

Post-scriptum (11.08.2008 - 16,56 horas)

Quando leio um livro de um escritor brasileiro ou vejo uma peça teatral ou cinematográfica interpretada por actores brasileiros, ambos na versão original, com as vossas características próprias, com a vossa muito peculiar interpretação da nossa comum língua, a portuguesa, não me sinto nem incapaz de perceber, nem diminuído; muito pelo contrário, sinto que ao meu acervo civilizacional acrescento uns pontos mais que o enriquecem e me engradecem.

Creio sinceramente que convosco e reciprocamente acontece o mesmo. Só pode acontecer, não é verdade?

...

16 comentários:

Maria Augusta disse...

Também acho que não se deve uniformizar uma lingua por decreto, pois ela é viva, e em cada região evolui segundo as influências recebidas, e é natural que, apesar da mundialização, estas sejam diferentes de cada lado do Atlântico. Verdade que existem diferenças consideraveis entre o português falado no Brasil e em Portugal, mas é a mesma lingua, e aqui na França, quando alguém me diz que falo "brasileiro", respondo que não, no Brasil falamos português, embora seja incapaz de traduzir algo para o português de Portugal...
E sabe que a blogosfera esta me ajudando a descobrir estas particularidades da lingua portuguesa falada em Portugal?
Um abraço e bom domingo.

P.S. Desculpe se não acentuei, meu Windows não estah querendo mudar para o teclado "PT", e o daqui soh tem acento no "é"...

Ruvasa disse...

Viva, Maria Augusta!

Também neste caso - o do traiçoeiro Windows - entendemo-nos, não é verdade? É isso que importa. O resto são... "peanuts".

Julgo que devemos pressionar, no sentido de que não acabemos ambos descaracterizados. É que não há neste mundo tristeza mais vil do que a descaracterização do linguajar de um povo que leva necessariamente à descaracterização do povo em si.

É isto que, sendo tão simples, parece não ter entrado na caixa que deveria conter a capacidade de inteligir de tantos intelectuais de treta que por aí vegetam e que apenas servem para adulterar o que adulterado não deve ser, a preço nenhum.

Quantos às diferenças que existem entre o português do Brasil e o nosso, do lado de cá do Atlântico, ainda bem que existem. A não existirem tratar-se-ia de uma língua em vias de extinção.

Especialmente para si, que está aí por França, deixe que relembre uma asserção muito usada noutro contexto, mas que me parece também muito a propósito aqui:

Vive la petite différence!

Abraço

Ruben

Teste Sniqper disse...

Pedindo antecipadas desculpas pela “invasão” e alguma usurpação de espaço, gostaríamos de deixar o convite para uma visita a este Espaço que irá agitar as águas da Passividade Portuguesa...

Anónimo disse...

Subscrevo inteiramente este "texto comentário" muitissimo bem redigido!
...
Agora há que abrir os cordões as bolsas para pagar os manuais , professores etc etc porque mentes doentes tomam decisões revolucionárias, haja paciência!
Beijosss

Anónimo disse...

Ruben,

e querias que seu texto coubesse na caixa de COMENTÁRIOS? hahaha!

Mas muito boa a iniciativa do Ery, e melhor a sua de comentar com este post que se não esgota o assunto ( polêmico, por nastureza) deu uma boa contribuição para o entendimento do problema!

Abçs ao Ery, onde HOJE não consegui acessar o blog, e a você pelo dia DOS PAIS!

valter ferraz disse...

Ruben,
completamente de acordo. Sem necessidade de "acordos".
Um forte abraço

Ruvasa disse...

Viva, Valter!

Sim, para quê complicar o simples? para quê estragar o que está bem?

Abraço

Ruben

Ruvasa disse...

Viva, Eduardo!

É. Parece que queria... Ia lá imaginar que a caixa não era caixa, mas caixeta?

* * *

Dia dos pais? Ok, filho, obrigado. ;-)

Aí é hoje? Cá é a 19 de Março, dia de S. José.

Abraço

Ruben

Ruvasa disse...

Viva, Ashera!

"... porque mentes doentes tomam decisºoes revolucionárias" e ninguém lhes vai à ventas!

Haja paciência? Como é que dizem eles lá do outro lado do Atlântico? Ah, sim! "Já era", minha amiga, "já era"!

Beijos

Ruben

Anónimo disse...

Rubens,

São diversas as razões para me sentir feliz. Gostei muito da sua iniciativa, como nosso conterrâneo que tem o domínio e experiência da língua portuguesa falada do outro lado do Oceano, em comentar meu texto.

Tenha certeza que acrescentou muito. Farei um link lá para que os leitores sejam remetidos para esta sua excelente manifestação.

Agradeço pelo seu trabalho em ilustrar o assunto com tantas informações, ao tempo em que expõe sua opinião. Desta também me alegro por estar alinhada aquilo que a grande maioria dos brasileiros e portugueses deve pensar a respeito do tema.

Rubens, a caixa de comentários é mesmo, como disse, uma "caixeta". Existem assuntos cujo comentário vira um post, com muita razão, e este é um deles.

Forte abraço.

Ery Roberto

Ruvasa disse...

Viva, Ery!

Ainda bem que foi do seu agrado.

Temos que ser nós a fazermos ver aos nossos decisores que é completa burrice forçar uma união que só pode ser real, verdadeira, legítima e indestrutível se estribada na vontade soberana dos nossos povos, livremente assumida, liberta de "empurrões" e menoridades mentais.

Eu quero sentir-me irmanado convosco porque é de minha vontade, porque me sinto comungando um ideal se não igual pelo menos muito semelhante ao vosso. Nunca apenas por que um palerma qualquer que, numa noite de imsónia e só porque aspira a deixar o nome na História, seja pelo motivo que for, bom ou mau, delirou decretar uma idiotice.

Julgo que é isto que vocês também pensam. Porque não pode ser de outra maneira.

Fascismos, não! Governantes "iluminados", que são os pais do fascismo, também não. Até porque de iluminados nada têm.

Claro que a grande maioria dos brasileiros e dos portugueses pensa assim, porque assim é que é lógico. Só não pensa assim quem nos desgoverna, governando.

Mas aí, a culpa é nossa. Dos portugueses, que os pusemos lá, neles votando; não digo o mesmo em relação a vós, porque não sei como foi e, mesmo sabendo, jamais vos faria tal afronta.

Abraço igual para si.

Ruben

Isabel Magalhães disse...

Ruben;

Um grande, enorme, forte aplauso para este seu artigo que subscrevo na íntegra.

Vou linkar no Oeiras Local.

Bj

I.

Ruvasa disse...

Viva, Isabel!

Obrigado, amiga.

Senti a falta. A gente habitua-se...

Bj

Ruben

Isabel Magalhães disse...

Ruben;

Que bom ler que alguém sentiu a minha falta... ;)

Nada de grave, tempo de verão, ausências de casa, computador esquecido... :)

Passei no blog do Ery e deixei umas palavras.

Bj

I.

Anónimo disse...

Ruben, uma vez mais, obrigado. Desculpe por não ter providenciado o link ontem, mas eu estava viajando, fui fazer uma visita ao meu pai. Hoje providenciei UPDATE e link para cá, e conforme me pediu, retirei seu comentário do meu sistema, pois ele havia ficado incompleto.

Grato, amigo. Estejamos sempre em contato.

Grande abraço.

Ery Roberto

Ruvasa disse...

iva, Ery!

Por amor de Deus, meu amigo!

Nem era obrigado. Foi por sua livre iniciativa que decidiu fazer o link, distinção que muito agradeço, evidentemente!

Como poderia eu ter algo que desculpar?

Vou lá ver.

* * *

Espero que tenha encontrado o seu pai bem.

Um dia destes, lá para cerca de meados de Setembro, também me ausentarei, mas por mais uns dias. De férias, graças a Deus!

Havemos de estar sempre de acordo. Mesmo quando não estivermos. Sabe porquê? Porque, como gente civilizada que somos, havemos de saber gerir as desconformidades, de modo a concordarmos. É fácil, desde que se queira.

Reparo agora que, na pressa, li mal. O que o amigo desejpou é que estejamos sempre em contacto e eu, sem ler até ao fim, "entendi" acordo. ;-)

Bem, sem retirar algo do que antes disse, confirmo. Sim, estaremos sempre em contacto.

Abraço igual

Ruben