Os portugueses têm de salvar-se de si próprios, para salvarem Portugal

sábado, 8 de novembro de 2008

1846. A "estrela" em cartaz

Devo começar por dizer que não sei se a senhora ao lado retratada é culpada ou inocente. Nem, para o caso, me interessa saber.

O que sei e acho tremendamente insólito é que se tenha feito uma festa daquelas, com a senhora a vangloriar-se, à porta do tribunal, para tudo quanto era órgão da Comunicação Social e para o basbaque povoléu circunstante e circundante.

Imagine-se que a cena até evidenciou, em grande plano, uma lagrimazita rebelde no canto do olho do advogado, na foto ao lado já sorridente!... Mas essa lagrimazita parece ter boa explicação, como adiante se irá constatar. Era uma lágrima de alívio, como o próprio advogado confessou, ainda que talvez involuntariamente.

E tudo porquê? Porque, depois de muito penar, a lindérrima e distintérrima senhora foi absolvida? Não! Qual quê?!

Foi, isso, sim, condenada em 3 anos e 3 meses de prisão, tendo o juiz decidido suspender-lhe a execução da pena (ignora-se por quanto tempo, porque os jornais e TVs não dizem, mas o normal é por 2-3 anos). É isso que vai ficar a constar do seu registo criminal. O resto? O resto são tretas em que apenas os ignorantes, porque o são, acreditam.

Mas não se ficou por aqui a condenação. O Tribunal entendeu que devia ainda ordenar que seja declarado perdido o mandato que a arguida cumpre actualmente como presidente da Câmara Municipal de Felgueiras.

E quais foram os delitos que levaram a esta condenação? Pouca coisa, como já se vai ver. Peculato (artº 375º - 1 a 8 anos de prisão), peculato de uso (artº 376º - prisão até 1 ano) e abuso de poder (artº 382 - prisão até 3 anos). Para quem não sabe em que consistem estes crimes, no final do post estão transcritas as disposições legais que os prevêem e punem.

Aqui tem, pois, os motivos para tanta emoção, tanto atropelo à porta do tribunal, tanto tempo de antena.

Justifica-se todo aquele show off?

Cada qual reage à sua maneira, como é bem sabido. E tanto assim é que, digo-o desde já, se o caso se tivesse passado comigo, tudo o que não fosse absolvição pura, simples e completa, não me satisfaria e, muito pelo contrário, deixar-me-ia envergonhado e com muito pouca vontade de falar à família, quanto mais ao País em peso, em frente das câmaras de TV e dos microfones das rádios, das esferográficas dos jornalistas dos tablóides. Ser condenado, ainda que a apenas uma "semanazita" de dias de prisão por qualquer daqueles crimes não é, para mim, motivo de grande festa. Au contraire! Para mim, são crimes infamantes, com os quais conviveria muito mal. Parecem, no entanto, não o ser para outras pessoas.

Portanto, quanto a mim não tem a refulgente estrela do nosso universo autárquico motivo para embandeirar em arco e para o lançamento de tal foguetório. Terá, sim, ainda em minha humilde opinião, motivos de sobra para se refugiar no quarto mais esconso da casa de morada, e para passar a andar na rua apenas ao lusco-fusco e cosida com as paredes, assim tentando não ser vista pelos conterrâneos e compatriotas. Por largos anos. Eu fá-lo-ia. Mas isso sou eu, claro.

A menos que...

Sim, seria o que eu faria, a menos que, de consciência pouco leve, tivesse estado na expectativa, talvez justificada, de uma pena muitíssimo mais pesada e, portanto, respiraria de alívio (que seria bem maior do que a vergonha) e mostrar-me-ia arrogante até à quinta essência, no caso de as coisas me terem corrido tão bem... Safa!

Seria, pois, como eu reagiria a uma tal condenação (que, repito, não é o mesmo que uma absolvição!). Não sei se a expectativa da lindérrima e distintérrima senhora era a de que vinha por aí "porrada da grossa" e, daí, o seu enorme alívio e o show off subsequente, para deleite do acrítico pagode que nele e por causa dele se orgasma todo, de alto a baixo.

Não sei, pois. Mas muito fico a matutar no assunto perante uma frase, curta mas muito elucidativa - como são quase sempre as frases curtas - do comovido-furtivo-lacrimejante advogado.

Ora preste atenção à frase do dito cujo senhor:

- Com isto posso eu bem!

Foi este o comentário de Artur Marques, the barrist, no final da leitura do veredicto, segundo rezam os jornais, designadamente o Público.

Está a ver o que eu digo? Ele pode bem com aquilo. Aliviadamente, pode. Se a língua portuguesa ainda não foi completamente adulterada, tal continua a significar que com o que podia ter vindo ou, talvez melhor, com o esperava que tivesse vindo é que teria dificuldade em lidar.
Logo... estaria à espera de pior. E por que razão estaria à espera de pio? Porque a sua cliente é inocente? Responda quem souber.

* * *

Artigo 375º - PECULATO

1 - O funcionário que ilegitimamente se apropriar, em proveito próprio ou de outra pessoa, de dinheiro ou qualquer coisa móvel, pública ou particular, que lhe tenha sido entregue, esteja na sua posse ou lhe seja acessível em razão das suas funções, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos, se pena mais grave lhe não couber por forca de outra disposição legal.

2 - Se os valores ou objectos referidos no número anterior forem de diminuto valor, nos termos da alínea c) do artigo 202.º, o agente é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.

3 - Se o funcionário der de empréstimo, empenhar ou, de qualquer forma, onerar valores ou objectos referidos no n.º 1, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.


Artigo 376º - PECULATO DE USO

1 - O funcionário que fizer uso ou permitir que outra pessoa faça uso, para fins alheios àqueles a que se destinem, de veículos ou de outras coisas móveis de valor apreciável, públicos ou particulares, que lhe forem entregues, estiverem na sua posse ou lhe forem acessíveis em razão das suas funções, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.

2 - Se o funcionário, sem que especiais razões de interesse público o justifiquem, der a dinheiro público destino para uso público diferente daquele a que está legalmente afectado, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.


Artigo 382º - ABUSO DE PODER

O funcionário que, fora dos casos previstos nos artigos anteriores, abusar de poderes ou violar deveres inerentes às suas funções, com intenção de obter, para si ou para terceiro, benefício ilegítimo ou causar prejuízo a outra pessoa, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
...

4 comentários:

Jorge Pinheiro disse...

A única coisa verdadeiramente extraordinária deste desfecho é que vai recorrer da condenação a perde de mandato, em vez de se ter demitido antes. Ou seja, dantes os autarcas diziam que antes da condenação em presumidos inocente, logo não se demitiam. E agora que dirão?

Ruvasa disse...

Viva, Jorge!

Que dirão?! Coisas mirabolantes. Como sempre, aliás. Ninguém consegue ter o condão de dizer "coisas" como eles.

Abraço

Ruben

Ruvasa disse...

Meu Caro Ruben

Como é bom ter amigos que nos transmitem por palavras simples tudo aquilo que a Justiça nos impimge e nos deixa perplexos. E viva a folia e os tempos de antena.

Um abraço
AAlves

Ruvasa disse...

Viva, António Alves!

Tudo aquilo foi lamentável. Aliás, tudo po que se relaciona com a referida senhora, tem, sido lamentável, verdadeira telenovela baratucha, com actores de terceira ordem e roteiros escritos por analfabetos.

E todo o problema provavelmente (sei lá!...) reside na circunstância de talvez a mesma senhora saber muito de muita gente.

Abraço

Ruben