Os portugueses têm de salvar-se de si próprios, para salvarem Portugal

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

1947. A Quercus e a expansão de Setúbal

Setúbal
vista aérea
click, para ampliar

Nova Setúbal: Quercus interpõe nova providência cautelar face a abate iminente
Construção de centro comercial e prédios com utilidade pública dada pelos Ministros Sócrates e Capoulas Santos em período pré-eleitoral autárquico implicam abate de 1331 sobreiros que actual Governo acabou de autorizar
A Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza interpôs na passada segunda-feira, dia 9 de Fevereiro, uma providência cautelar junto do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa para evitar o abate de, pelo menos, cerca de 1331 sobreiros cuja autorização para abate acabou de ser dada pelo actual Governo na área da projectada.mega-urbanização denominada Nova Setúbal, a Sul da Estrada Nacional 10 entre a saída de Setúbal e Vale da Rosa no sentido Setúbal-Algarve.

/


A Quercus continua assim uma batalha judicial onde, na nossa opinião, alguma insensibilidade judicial para o problema ou questões procedimentais, tem conduzido à recusa dos processos interpostos pela associação.

Segue aqui

* * *
O texto que acima reproduzo e que tem continuação no final do link que introduzi, dirigido ao site da organização ambientalista, é da responsabilidade da Quercus.



- Para quem não sabe, a palavra Quercus (pronuncia-se "cuércus") é um substantivo feminino de Latim que significa "carvalho", a árvore, prestando-se a sua leitura aportuguesada a alguma brejeirice... -

* * *
Independentemente dos restantes aspectos da questão, como seja, a licitude das autorizações para o abate dos sobreiros e tudo o mais relacionado, de que aqui não cuido, gostaria de não deixar passar a oportunidade sem tecer considerações, ainda que ligeiras, acerca da sua actuação, de um modo geral, mais particularmente no caso de Setúbal, agora em pauta.

Como associação ambientalista, a Quercus suscita-me grande apreço e elevada consideração.

Na verdade, todos quantos, eivados de boa fé e notável disponibilidade pessoal, se dispõem a defender o ambiente terrestre das agressões que lhe são causadas pela ganância do lucro despido de preconceitos, são credores da estima de qualquer cidadão responsável. Por essa razão, tenho, repito, grande apreço pela Quercus, por todos quantos integram as suas acções, pelo trabalho que tem desenvolvido em Portugal, enfim.

No entanto - há sempre um "mas", quando a acção do homem não é exercida na medida justa - não poucas vezes tenho dado por mim a interrogar-me sobre se todas as acções que tem desenvolvido se têm pautado pela correcção de propósitos e pelo real interesse das comunidades sobre que fazem incidir o resultado das suas acções.

Porquê?

Porque, embora reconhecendo que, nas questões ambientais - como noutras de interesse geral, aliás - há que ser-se firme e agir sem tergiversações, não posso deixar de considerar que tem havido situações em que a acção dos ambientalistas terá vindo a ser muito prejudicial àqueles a quem é suposto privilegiarem direitos inalienáveis.

É que por vezes parece que os ambientalistas esquecem uma verdade elementar e dura como punho cerrado chocando com o nariz. É ela a de que a sua acção se dirige, primacialmente, à defesa da vida, da qualidade de vida de seres humanos. Logo, tudo o que não revista essa característica não se lhe deve sobrepor. Sob pena de se lesar de forma grave precisamente aqueles que é suposto defender-se.

Podia dar mais exemplos, que os há muitos, mas fico-me pela questão das gravuras rupestres de Foz Coa.

Impediu-se a construção de uma barragem que era essencial para o desenvolvimento da região, não somente pelos muitos postos de trabalho que criaria, como em recursos energéticos tão necessários ao país. E isso foi feito em nome da criação de uma estação arqueológica de real interesse, sim, mas que poderia ter sido facilmente preservada de variadas outras formas, sem os inconvenientes da que foi adoptada, ou seja, a de nada deixar fazer, tudo empatar, ao jeito da cantilena do outro que assegurava que o amigo era tão empata... tão empata, que, embora não conseguindo o mínimo desempenho sexual, teimava em não desistir, assim impedindo que outro fizesse o que ele perfeita e definitivamente sabia que não faria.

Na verdade, em Foz Coa, os ambientalistas nada fizeram nem "saíram de cima", para que outros fizessem aquilo que eles não tinham capacidade para levar a cabo. E Foz Coa lá está, sem proveito para ninguém, com milhares de seres humanos, aqui e agora, a serem enormemente prejudicados em favor de uns quantos desenhos feitos em pedras, muito respeitáveis e interessantes certamente, mas que poderiam ter sido preservados e não o estão a ser.

Como disse atrás, este exemplo poderia ser repetido ad nauseam...

Agora, também, em Setúbal, neste caso dos sobreiros do Vale da Rosa, cujo processo tem vindo a ser protelado desde 1999, ou seja, de há uma década para cá, que é o atraso que a cidade, que foi a 3ª ou 4ª do país, já leva relativamente às suas congéneres capitais de distrito e mesmo à antiga e bem conhecida "aldeia galega" e similares, aqui bem perto.

Deve ser esclarecido - o que até agora surpreendentemente ninguém fez e Miguel Sousa Tavares, na TVI, com aquela atitude arrogante de quem nem sequer sabe que não sabe, a perorar a esmo, também não fará por desconhecer do que fala - que o Vale da Rosa se situa a um Km, se tanto, do limite do casario - portanto, não o limite urbano, mas o do casario!... - da cidade de Setúbal, que apenas naquela direcção pode crescer e desenvolver-se, já que em todas as nas restantes de há muito estão esgotados todos os bocadinhos de espaço disponível, face ao espartilhamento entre o Sado e a Arrábida de que a cidade beneficia, mas igualmente sofre, de forma muito acentuada e paralisadora.

O que ali se pretende construir é um estádio - o do Vitória de Setúbal - um centro comercial - de que, em muitos quilómetros em redor, apenas Setúbal não dispõe, como igualmente não dispõe de outros equipamentos actualmente sabidos indispensáveis a uma mínima qualidade de vida - e zonas habitacionais, dado que, como já ficou dito, os terrenos a elas destinados estão esgotados na actual configuração da cidade.

E aqui está como, em nome de causas muito nobres, é certo, se concede privilégio a umas centenas de árvores, em região que as tem às imensas centenas de milhar, e com isso se obstaculiza de forma que me parece pouco razoável e séria, a possibilidade da criação de condições para que os actuais setubalenses, naturais e adventícios, possam melhor viver.

Verdade elementar sem a percepção da qual dificilmente se trilhará o caminho justo e equilibrado:

- Em primeiro lugar, o ser humano. E antes dele, ainda, o ser humano que agora está vivo e legitimamente quer viver melhor.


Para ele, acima de tudo para ele, devem os ambientalistas dirigir as suas preocupações primordiais, embora não descuidando o futuro. Mas dar atenção e cuidados exclusivamente ao futuro e às gerações que o hão-de viver, sem cuidar dos contemporâneos, é correr o sério risco de, quando tal futuro chegar - se chegar!... - não haver ninguém que o viva.

Esta é a realidade que os fundamentalistas do ambiente - e a Quercus incluída - esquecem, no seu desvairamento preservativo.

Mas esquecem igualmente outra circunstância bem conhecida de florescentes civilizações antigas, entretanto desaparecidas, ou mesmo de territórios colonizados, abandonados por ter chegado ao fim o domínio das potências administrantes, sem que as mesmas fossem substituídas em condições minimamente aceitáveis.

É que bastam uns míseros trinta anos para que qualquer cidade de grandeza mediana, abandonada, seja completamente
reinvadida pela selva.
___________

Nota: -
Questão independente desta é saber, do que aqui não cuidei, se a actuação do Governo de então, com Sócrates no elenco e com pelouro decisivo na questão, e a Câmara de Setúbal, chefiada pelo também socialista Manuel da Mata Cáceres, se pautou por linhas de correcção legal, legítima e democrática ou não.

...

2 comentários:

Isabel Magalhães disse...

Ruben;

Gostei imenso de ler este seu artigo. Só um conhecedor o poderia ter escrito.


[]

I.

Ruvasa disse...

Viva, Isabel!

Pois, mas o pior é que eles é que têm o poder e são mesmo fundamentalistas. Ou pensava que só o ayatollahs e os taliban o eram?

Abraço

Ruben