Os portugueses têm de salvar-se de si próprios, para salvarem Portugal

terça-feira, 9 de junho de 2009

2287. Blogagem colectiva - "Aldeia da minha vida"

Aldeia da minha vida


Que posso dizer acerca da aldeia da minha vida?


Bom, para começar, talvez que nem chega a ser aldeia.


Mero lugar, perdido no meio de pinhais sem fim, nada que o caracterize sobremaneira, a não ser…bem, a não ser o facto de que quem vos escreve lá nasceu. O que já não é pouco.


Para vocências nada representará, evidentemente. Para mim, porém, é todo um mundo em que vi a abençoada luz do dia e onde cresci até aos dezoito meses e, mais tarde, por ter gostado, repeti dos três aos oito anos. A idade das descobertas em que tudo é novidade de arregalar olho.


De então até aos meus 37, perdido que andei por outras lonjuras, jamais lá voltei. Até que, num dia de Agosto de 1978, dois meses depois do nascimento do terceiro filho, que seguia ao colo da mãe, e com as irmãs mais velhas pela mão, dei por mim a passar pelo cruzeiro de ao pé da estrada, a subir a encosta da colina, a olhar lá para o alto, para vislumbrar os contornos da capela e, finalmente, os da casa. A redescobrir, enfim. Apenas por horas brevíssimas, mas suficientes para matar saudades de três décadas e meia a reviver, sempre de muito longe, a minha infância, marcada por duas admiráveis tias.


A que me criou nesse terrível período dos três últimos anos da II Guerra Mundial e nos seguintes, duros como rochas graníticas, agora com mais de 90 anos e a que continuo muito ligado, depois de longas décadas separados, pelos baldões da vida; a outra, muito recentemente falecida, professora exigente, principalmente para com o sobrinho, a quem ensinou a juntar as letras e a ler correntemente, coisa que ele já fazia, aliás, ajudado pela quase analfabeta criada, ao longo das tardes calmas da casa da costura, a poder de perguntas tramadas de catraio ansioso por conhecimento e a respostas custosas da rapariga que, enquanto passava a ferro a roupa das senhoras da casa, a custo lá ia soletrando o mapa de Portugal, com nomes estranhos de terras ainda mais estranhas, de rios, de linhas de caminho de ferro que “o rico menino” à viva força queria saber… e com cinco anos já sabia de fio a pavio, o que causava singular levantamento de sobrolhos e gritinhos de inusitado espanto nas visitas, maravilhadas com tal esperteza em criança de tão tenra idade e tamanha desenvoltura intelectual. Um fenómeno, embora o Entroncamento dali distasse uns bons 60 a 70 quilómetros.


Infelizmente para o fenómeno, com o rodar dos tempos a esperteza foi-se desgastando, a curiosidade fenecendo, talvez levada por outros interesses mais imediatos e mundanos e, agora, seis décadas idas, só resta uma tremenda saudade, que não saudosismo, entenda-se, pois que o caminho faz-se em frente, jamais às arrecuas, e o passado serve para nos dar conhecimento e experiência, bagagem indispensável para que contornemos com perícia as curvas da vida e percorramos as rectas na velocidade adequada, na longa viagem em que nos metemos ao nascer.


Mas isso é outra história, que aqui não colhe, pois que nem teria espaço suficiente para se espraiar.


O que conta nesta oportunidade é que, depois daquele fugaz regresso de 1978, jamais se passaram dez meses sem que lá voltasse, sempre de fugida (infelizmente a casa já não pertence à família…), para recarregar baterias, que só a nossa aldeia está habilitada a fazer, e à luta quotidiana regressar, retemperado, enfim.


É uma aldeia que nem sequer aldeia é, antes simples lugarejo, porque constituída por uma única casa, que era a nossa e onde nasci, geminada com uma capela, onde casaram meus pais e fui baptizado, ermida de Santo Estêvão, no Casal do mesmo nome, da freguesia de Cabeçudo, concelho da Sertã, distrito de Castelo Branco, neste pequeno canteiro à beira mar plantado, ali mesmo rés-vés com a estrada N532, entre a Sertã, terra da valente Celinda, e Cernache do Bonjardim, que foi do não menos valente e virtuoso Nuno Álvares Pereira, precisamente nas coordenadas 39º50’03,71” Norte e 08º08’27,00” Oeste. A casa, evidentemente.


É uma aldeia que nem sequer aldeia é… Mas que é a minha terra, a minha capital.


Quando aceitardes o convite que um dia vos farei para a visitardes, ficareis a amá-la também, quase tanto como eu. Ai de vós que não…


* * *

Este texto integra-se numa blogagem colectiva, iniciativa do blog Aldeia da Minha Vida

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6 comentários:

Susana Falhas disse...

Boa tarde, Ruben!

Gostei da tua viagem pela infância na tua terra!Em especial a passagem onde dizes que a tua aldeia é a tua capital.

Parabéns pela postagem!

Um abraço,
Susana Falhas

Ruvasa disse...

Viva, Susana!

Obrigado. Foi um prazer, crê.

Abraço

Ruben

Castela disse...

Amigo Ruben
Tem aqui um belo blog.
É bom sabermos que estamos colectivamente a participar na blogagem colectiva “A Aldeia da Minha Vida” e assim a contribuir para a divulgação do nosso País.
Parabéns pelo seu texto que é antes demais um revisitação a sua infância. Obrigado pela vista.
Um abração
Castela (Portugal Notável)

Ruvasa disse...

Viva, Castela!

Obrigado pelas amáveis palavras.

Sim, nestas blogagens colectivas conhecem-se mais pessoas e aprende-se sempre algo mais.

Abraço

Ruben

Marta disse...

olá :)

mais um texto da blogagem colectiva que me leva por lugares que não conheço mas que fico com imensa vontade de conhecer!

esta participação vale tb por isto!
pela troca de saberes, de segredos, de emoções. pela partilha!

quero, ainda, agradecer a palavras tão amáveis, lá no meu canto :)

voltarei, claro!

Ruvasa disse...

Viva, Marta!

Nada a agradecer.

WQuando voltar, verá que tem a porta sempre aberta e o anfitrião sorridente e com um café (ou um chá or whatever) preparado.

Abraço

Ruben