Os portugueses têm de salvar-se de si próprios, para salvarem Portugal

sábado, 4 de julho de 2009

2421. Foi a enterrar o conceito "Benfica"


Fundado em 28 de Fevereiro de 1904, desde sempre o Sport Lisboa e Benfica foi, por vontade dos seus ilustres fundadores e de quantos de então para cá o representaram e nele se viram representados, um clube à parte, diferente de todos os outros.

Efectivamente, nele e à sombra do seu prestígio, abrigavam-se, em igualdade de estatuto, elites e massas populares que com os seus êxitos ou inêxitos rejubilavam ou sofriam por igual, em uníssono, fraternalmente, de mãos dadas. No Benfica se dissipavam naturalmente as diferenças sociais. Cá fora, podiam socialmente estar muito distantes - e estavam - médicos e carpinteiros, advogados e "almeidas", todas as classes sociais, enfim. Uma vez no Benfica, porém, tudo isso se esbatia e, sem esforço, deixava de haver licenciados e analfabetos, ricos e pobres,e poderosos e dominados, porque passava a haver apenas e tão só benfiquistas. Que discutiam, que barafustavam entre si, mas que tinham por objecto do seu amor um só, o nosso Benfica.

Se houvesse que o comparar a alguma figura característica de uma sociedade desenvolvida e consciente do seu valor no mundo envolvente, o Benfica seria um cavalheiro popular, um cavalheiro do povo, um verdadeiro people's gentleman.

E, à semelhança desse people's gentleman, teria características idiossincráticas que conseguem fazer a síntese correcta entre os gentlemen e a massa acrítica, inculta e ignara. E, assim, saberia que não é possível ter-se o direito de viver em sociedade civilizada sem que se cumpram escrupulosamente e por convicção funda determinadas regras impostergáveis.

A primeira e mais determinante delas, a da democracia a todo o custo, a democracia custe o que custar.

E, por força disso, o respeito pelas regras que, desde há 3.709 anos, ou seja, desde 1.700 aC, ou, desde Hamurábi, na Mesopotâmia, hoje Iraque, existem vertidas e sistematizadas em códigos, que os homens vêm regularmente comprometendo-se a cumprir, em nome de uma sã convivência entre seres humanos racionais.

É certo que, ao longo desses quase quatro mil anos, muitas e variadas têm sido as vezes em que homens sem escrúpulos têm violado esse juramento dos seus mais ilustres antepassados. Mas, de todas as vezes, o labéu que as suas atitudes totalitárias e anti-sociais lhes conferiram, a vergonha do seu comportamento, a ignomínia da sua postura, tardando menos ou tardando mais, acabou sempre por pô-los no seu devido lugar na História das nações e das sociedades. O dos proscritos.

E os prevaricadores, tendo tido o seu momento de glória infame, acabaram sempre por ser recordados, não pela sua grandeza de alma, mas pela ausência de princípios, de escrúpulos. Trata-se de uma fatalidade. Como a do destino.

Ora, o Sport Lisboa e Benfica foi sempre um clube que, pela sua inserção na comunidade, pelo comportamento dos seus dirigentes, pelo carinho dos seus associados e adeptos, era o orgulho do país e mesmo de adeptos e associados de outros clubes. E até aqueles que o combatiam fora dos campos da pugna meramente desportiva, implicitamente nele reconheciam esses valores e por esse mesmo motivo o afrontavam, diminuindo-se sem conseguirem diminuí-lo.

O Benfica, o grande Benfica, era um clube à parte. Era um clube que cumpria e fazia cumprir a lei. Era, enfim, um clube de Bem. Mesmo nas piores horas da sua existência, jamais se desviara, um metro que fosse, dessa conduta de seriedade, democraticidade, respeito pela lei, cidadania exemplar.

A título de exemplo, em tempos recentes, a eleição de João Vale e Azevedo e também o seu afastamento, igualmente através de eleições regulares e sem mácula, foram, ainda que muito agitados, actos de grande democracia interna. Jamais igualada em clubes portugueses e até lá de fora.

Até ontem.

Porque ontem e como decorrência de uma sucessão de actos que muito deslustram o nome do clube, o Benfica terminou esse seu estado de legalidade e de Direito, de sã e transparente democracia.

Por força de uns quantos de seus dirigentes - mais preocupados com os seus interesses pessoais do que com os interesses gerais do clube e de todos os benfiquistas - milhares de sócios de boa fé foram arrastados para uma ilegalidade flagrante e que muito penaliza o clube, mesmo que apenas e só no campo da Moral e do Direito.

O
Sport Lisboa e Benfica deixou, assim, de ser um clube honrado, exemplar no cumprimento da legalidade, verdadeiramente democrático.

Ontem, aconteceu que o Benfica que todos conhecíamos e amávamos, pelo qual tantos sacrifícios fizéramos ao longo da vida, porque nele nos revíamos, deixou de existir, tendo morrido de morte macaca.

Tendo morrido, porque, mesmo que venha e recompor-se, o que continuamos a muito desejar,não mais poderá dizer-se impoluto. Será outro Benfica, mas jamais o que conhecíamos e amávamos, porque éramos nós e tínhamos orgulho em nele vermos um retrato nosso, dos nossos sonhos, dos nossos anseios;

De morte macaca, porque atingiu o nível social do cessante presidente da assembleia geral que, bem elucidativa e eloquentemente - perante as câmaras de televisão e em resposta à pergunta de um jornalista acerca da circunstância de a eleição poder ainda ser impugnada, respondeu com esta jóia de oratória, digna daquilo que, de há muito dele se sabia, aliás, por outras actuações de semelhante elegância de estilo - afirmou alto e bom som:

- 'tou-me cagando!

Este o nível a que o Benfica foi reduzido. Haverá algum benfiquista de Bem que a esta condição se veja relegado, ele próprio, sem um sentimento de muita incomodidade e indizível vergonha?

A partir de ontem, ao Benfica falta força moral para apontar desvios comportamentais a outros. Porque lhe falta a força do exemplo. Está, agora, igual a outros, cujos comportamentos tanto tem verberado. E vai levar muitos anos, décadas mesmo, a recuperar uma parte desse seu capital de sociabilidade ímpar, em duas simples semanas agora malbaratado.

As semanas da dignidade institucional perdida.

...

4 comentários:

Teresa Diniz disse...

Ruben
Já sabe que, com os meus imensos conhecimentos de futebol, quando aqui venho fazer um comentário num post de futebol ou é por engano ou é por acaso.
Mas agora tinha de ser. Então não é que estava à procura da sua Aldeia Global Portuguesa e encontrei o meu bloque como "Blogue em destaque"?
Agradeço-lhe do coração, não esperava. É um blogue novato, onde falo das coisas que me interessam e que, às vezes, acho que não interessam a mais ninguém.
Obrigada outra vez. Dá-me incentivo para continuar!
Um beijinho grande da vizinha
Teresa

forteifeio disse...

Ruben

O Espirito do Benfica existe enquanto existir dentro de um de nós, enquanto houver uma réstia de amor por a mistica do Benfica aquela que respeita e faz respeitar, a que acha que se deve vencer com categoria e qualidade sem batotas. O Vilarinho não me representa como sócio, assim como O sócrates nunca me representará e eu não acho que o nosso Pais tenha morrido, apesar de estar muito doente. Ainda temos pessoas que sabem o que é o Benfica e acredito que este renascerá. Mas temos de ter cuidado com undividuos como o Veiga, esse, que fez uma festa grandiosa quando nós os verdadeiros benfiquistas perdemos a final com o PSV Eindhoven. Com esse tal de Bruno Carvalho que nem benfiquista é, e que pelo teor das declarações só pode ser parvo.
Esta gente acaba por ser pior que o Vieira, que eu não simpatizo mas trata-se neste caso um mal menor.
Mas como disse anteriormente as pessoas passam mas as instituições ficam, e estou em crer que quando o Rui Costa for presidente já o clube estará na máxima força.

Um abraço

Ruvasa disse...

Viva, Teresa!

Não há motivos para agradecer. Se fiz o link, isso deveu-se a ter constatado que o que publica me interessa. Portamnto, não há favor.

Depois, porque, semore que encontro blog ou blogs que me interessa e que resolvo linkar, primeiramente ponho-o na secção de destaque. Por acaso, acontece que o sei já lá está há mais tempo do que é normal, mas porque ainda não encontrei outro. Nessa altura, o seu passará mais para baixo, no "outros blogs" e o novo ficará em destaque. Os "blogs primos" são os que me linkam também.

Ora, não sendo um favor para agradecer. muito embora lhe fique muito bem o agradecimento :-), pretende, realmente e também, ser um incentivo.

Beijinho

Ruben

Ruvasa disse...

Viva, forteifeio!

Claro que o espírito existe. O que não existe é a força moral nem o conceito de clube sério, sem mácula, caro amigo.

Tentando explicar melhor.

Até agora, podíamos invocar um estatuto de honestidade, de não trafulhice. Um estatuto de autêntica democracia, de democracia que existiu antes mesmo de existir no país. E uma democracia que era autêntica, porque, além de não obter vitórias seja do que for e em que for, a todo o preço, também não tinha por hábito, como outros, praticar a patifaria e a caramunha, como é o caso de alguns que sabemos bem quem são, os batoteiros (claro que sabe quem é), e os "amigos" dos batoteiros (também deve saber) que com eles alinham - e por isso o futebol português continua como está - até ao momento em que, sentindo-se aldrabados, berram como vitelos desmamados, "aqui d'el-rei que fomos roubados", mesmo quando são ele sos beneficiados. Mas que, logo voltam, para os braços dos "amigos".

Ora, ainda que possamos, mais tarde, recuperar algum prestígio e imagem de seriedade perdidos, o que é certo é que deixámos de poder invocar em nosso favor a idoneidade que sempre invocámos. Com razão antes, felizmente. Com razão agora, infelizmente

É nisso que o conceito "Benfica" se perdeu de vez, foi a enterrar, bem morto, morrido, matado, irremediavelmente falecido.

E não há volta a dar. Há doenças para que não exste remédio possível. Esta é uma delas.

É como tudo aquilo que é impossível de evitar uma vez iniciado. A pedra que se lançou, o insulto que se proferiu... são mesmo irremediáveis.

É possível ainda atenuar os efeitos, sim, mas o mal está feito, sem retorno possível. o labéu fica para sempre. Págima muito negra de uma história linda de 105 anos.

Abraço

Ruben