- Vai roubar p’rá estrada!
Este aforismo popular, já muito velhinho, costumava usar-se para significar que alguém, atrás de um balcão ou detentor de um bem essencial que punha à venda, o disponibilizava a preços proibitivos, escandalosos mesmo, sem um mínimo de decência ou pingo de vergonha na cara. O que era considerado atitude própria de salteadores de estrada que, em cada curva desta, acoitados por detrás de moitas mais ou menos verdes, aguardavam a chegada de descuidados passantes, a jeito de serem assaltados e espoliados de todos os bens que consigo trouxessem.
Era como quem diz:
- Para roubares assim, dessa forma tão infame, mais digno seria ires para a estrada, assaltar viajantes, pois aí ainda poderias correr algum perigo, se o assaltado fosse gente sem medo e armado, podendo então virar-se, o feitiço contra o feiticeiro. Havia, pois um risco real. Seria, pois, uma actividade ainda com alguns resquícios de moralidade.
Hoje em dia as coisas mudaram muito.
Salteadores de estrada, acoitados em moitas de cores as mais variadas, há para aí às pallettes. Em quase todas as esquinas da estrada. E aos pares, um de cada lado, para que nenhum passante escape.
E o descuidado viajante é por eles assaltado e espoliado dos bens que consigo traz, por via de regra uns cartões de plástico através dos quais lhe arrasam as bem providas contas bancárias ou o pequeno crédito que, à custa de sabe-se lá quantos sacrifícios, conseguiram que os bancos generosamente lhes concedessem como benesse última ao cordeiro prestes a ser degolado e mal pago, em semana pascal.
Na verdade, o antigo salteador, tipo Zé do Telhado, há muito que deixou de existir. Teve que aggiornarse, porque a antiquíssima indumentária já não atemorizava ninguém e, assim, corria o risco de morrer à míngua.
Hoje, em vez do traje de tradição, de barrete na cabeça, camisa de xadrez, colete e calças pretos, bota ferrada, bigode da base da penca ao queixo e varapau de dois metros nas unhas, veste-se de cores muito variadas e garridas, calça Nike ou Adidas e, para disfarçar, vende combustíveis e, para disfarçar mais ainda, vende igualmente caramelos e chewing gum, além dos jornais do dia, da semana, do mês.
Instala-se de tantos em tantos quilómetros ao longo de estradas e auto-estradas e não necessitando sequer de pôr-se à coca ou armar-se de mero palito, espera confortavelmente refrescado ou aquecido, consoante a época do ano, que o passante lhe estacione à porta e, qual carneiro em dia de degola, se deixe esportular de maior ou menor parcela da carteira, para alimentar o trem de muitos cavalos que hoje em dia os cidadãos usam para se deslocar, na sua nobre missão de ser vergonhosamente roubado.
Não precisam de ir para o caminho assaltar seja quem for. Os assaltados é que saem do seu caminho para irem ter consigo, deixando-se assaltar, ou melhor, são os próprios assaltados que se encarregam de proceder ao assalto e, de mão beijada, entregar o produto do roubo – melhor dito, furto, porque não envolve o mínimo acto de violência física – ao assaltante.
Melhor actividade, negócio, não se conhece hoje em dia. Não envolve o mínimo risco – gritarias, correrias, atropelos, tiroteios e sabe-se lá que mais – e é sempre dinheiro em caixa.
Melhor e ainda menos arriscada actividade só a de quem, à sombra da actividade daqueles concertados salteadores, assalta também e ainda com menor risco e bem maior proveito: o assaltante-mor desta parvalheira, o Estado a que esta porra chegou!
Na verdade, há por aí uns meninos que acolheram o conselho e foram mesmo "para a estrada, roubar".
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