Os portugueses têm de salvar-se de si próprios, para salvarem Portugal

domingo, 11 de março de 2007

938. Vêm aí os chineses… (10) – O planeta dos filhos únicos

(...) A lei do filho único travou brutalmente o aumento da população, que hoje em dia regista um crescimento de apenas 0,7 por cento ao ano. Ainda uma geração atrás, a China tinha um número de habitantes equivalente a uma vez e meia o da Índia: dentro de dez anos, a Índia tê-la-á atingido com o valor de 1,4 mil milhões. O êxito chinês não foi totalmente indolor. Quando, no final dos anos 70, foi decidido o controlo dos nascimentos (…) a lei era aplicada pelo Partido Comunista através de métodos autoritários (incluindo alguns abortos forçados) (…).Seguiram-se instrumentos mais suaves, com os desincentivos fiscais e assistenciais (depois do primeiro filho, os impostos aumentam e a escola encarece). (…) Actualmente, nas metrópoles «americanizadas» de Pequim, Xangai e Guangzhou, os jovens preferem desfrutar do desafogo económico, as mulheres pensam na carreira, a tendência social dos casais que decidem não ter filhos alastra sem necessidade de planificações vindas de cima, mas por sua própria escolha. De repente, o governo de Pequim dá por si a ter de enfrentar (…) todos os problemas decorrentes da diminuição da natalidade: envelhecimento acelerado da população, a necessidade dum sistema de segurança social, crises no sector da saúde.
Xangai (…) já se encontra a braços com os sintomas de falta de jovens no mercado de trabalho. Em mais uma demonstração de estar na vanguarda das mudanças políticas, Xangai foi a primeira a quebrar o tabu: as autoridades da cidade ofereceram incentivos fiscais aos casais que têm dois filhos. A nível nacional, o presidente Hu Jintao nomeou uma força de intervenção de 250 demógrafos e economistas encarregados de reexaminar a política de nascimentos. Alguns especialistas aconselham a adopção oficial da «política dos dois filhos», que será indispensável a longo prazo para estabilizar a população e garantir o equilíbrio entre velhos e novos.
(…) O desequilíbrio entre homens e mulheres encontra-se entre as consequências colaterais da campanha contra as famílias numerosas.
Ainda que dos anos 70 em diante a maioria dos chineses tenha sido forçada a acatar as directivas do filho único, não foi por isso que abandonou antigos valores como a crença na superioridade do homem: trata-se de preconceitos ancestrais, herança duma sociedade agrícola na qual as mulheres eram consideradas menos produtivas, até porque, após o matrimónio, eram obrigadas a servir a família do marido ajudando e cuidando dos sogros. Com a proibição de ter mais que um filho, para muitas famílias chinesas tornou-se ainda mais importante o facto de gerarem um herdeiro do sexo masculino. Nos anos 80, o infanticídio das recém-nascidas conheceu um novo surto alarmante, obrigando as autoridades a uma primeira alteração de rota: se o primeiro filho fosse do sexo feminino, nas zonas rurais, a autorização para ter um segundo filho era imediatamente concedida. Contudo (…) foram difundidos por toda a China novos meios, como a ecografia. A possibilidade de conhecer com certeza o sexo do nascituro determinou o recurso ao aborto em larga escala para evitar o nascimento de raparigas. (…) Pequim baniu as ecografias, mas com resultados modestos (…) a discrepância entre os dois sexos continua notória. Com base no último recenseamento demográfico, a China conta com uma proporção de 120 homens para 100 mulheres. (…). Por este andar, no final da próxima década, a China terá um número de homens adultos condenados ao celibato compreendido entre os 30 e os 40 milhões. Na ausência de medidas correctoras extremas e improváveis (…) uma superabundância tal de homens desencadeará patologias e tensões sociais. (…)
O risco contra o qual Pequim se deveria prevenir é porém de outro tipo, o risco de instabilidade interna.
(…) pressente-se o receio de criar uma geração de rapazes prontos a explodir. Basta tornar a ver as gravações televisivas de 1989 para recordar que não foi com certeza uma população de senhoras de idade avançada que desceu às ruas para se manifestar contra o regime e desafiar os seus carros blindados. A derradeira fogueira de protestos, como tantas outras que a precederam, teve como protagonistas absolutos os estudantes universitários. Na sua grande maioria, do sexo masculino. (…)
...
Talvez que o sôr ingenhêro e noss’primêro devesse tomar mais atenção ao que se passa no mundo, principalmente no mundo que vai ser determinante no decurso deste século.

Se aproveitasse os momentos livres que tem para ler livros como este (Il Sécolo Cinese, de Federico Rampini) e outros, que por aí há a alertar, talvez que abandonasse a ideia de se meter, e ao país, em políticas caducas, que apenas revelam atraso civilizacional, mas também político e demográfico e, desse modo, deixássemos de ser conhecidos como meros imitadores, mas apenas do que de mau vem lá de fora.

É de duvidar, porém, que algum dia tal venha a acontecer. O sôr ingenhêro e noss’primêro tem revelado ser homem de apenas uma verdade, sem evidenciar “disposição” para apreciar outras realidades… mais realistas do que a sua.

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