Os portugueses têm de salvar-se de si próprios, para salvarem Portugal

segunda-feira, 2 de março de 2009

2007. Erros passados e prioridades presentes do país

O confrade António Balbino Caldeira, do bem conhecido blog Do Portugal Profundo, publica hoje, 2 de Março, sob o título Uma política patriótica para um novo ciclo de Portugal, mais um dos notáveis posts com que regularmente brinda quem o lê.


Para além do que refere acerca da questão da crise – interna ou externa ou ambas de antes e de agora ou ambas igualmente – com o que concordo, sem qualquer dificuldade o subscrevendo, o texto de Caldeira, nomeadamente o último parágrafo, suscita-me algumas considerações.


O parágrafo em causa é o seguinte:


Em conclusão, tem de afirmar-se uma política patriótica e responsável: o socorro dos necessitados, através dos apoios sociais; a suspensão do investimento em infra-estruturas rodoviárias e ferroviárias e na construção e modernização de edifícios públicos (exceptuando os hospitais); e a prioridade à educação e à inovação tecnológica.


É evidente que o socorro aos mais necessitados deve ser, em primeiríssima mão, a grande preocupação de qualquer governo responsável numa situação como a que atravessamos. A questão estará, quiçá, em saber onde encontrar esse tal governo responsável e a quem responsabilizar realmente pelo que não se fez nem faz do que impostergavelmente deveria ter sido feito.


Estou ainda em completo acordo quando afirma a necessidade de suspender a construção de rodovias e de edifícios públicos .


Na verdade, sou do entendimento de que há toda a justificação para tal suspensão. Quando surge a premência de atacar um mal súbito e grave no imediato, é irresponsável e até criminoso olhar-se para o lado, assobiar-se e correr-se a dar tratamento preferencial a um outro mal crónico que pode ser mantido com terapêutica de manutenção que, no entanto, não deixe que o mal, embora não sendo curado, se agrave.


A propósito da questão das rodovias e do desenvolvimento que elas permitem e até estimulam, sempre me pareceu que tudo esteve errado desde o princípio. Talvez valha a pena deixar aqui o meu ponto de vista.


Entendia – e continuo a entender, aliás – que a lógica e racionalidade desenvolvimentistas deveriam ter obrigado a que, em Portugal, a construção das estruturas rodoviárias de maior impacte, obedecessem ao princípio evidente de que, para tirar o interior da vil tristeza a que sempre esteve amarrado, havia que privilegiar dois eixos principais, ambos de Norte a Sul do país, talvez com confluência de ambos a meio caminho entre Alcácer do Sal e Évora, com uma via apenas daí ao Algarve.


Um desses dois eixos seria o que actualmente existe, mais perto do litoral; quanto ao outro, paralelo a esse, deveria ter sido situado bem mais no interior, de molde a contemplar os aglomerados populacionais afastados do litoral e mais perto da fronteira.


Desse modo, uma vez traçados e construídos os dois eixos matrizes da estrutura rodoviária do país, estariam edificados os fundamentos de um desenvolvimento harmonioso, já que, de então para cá, e mais paulatinamente e com menos gastos supérfluos, certamente que as ligações entre ambos proporcionariam ao conjunto dos dez milhões de portugueses os meios de circulação adequados e próprios de um país moderno.


Equivale isto a dizer que, com duas grandes auto-estradas Norte-Sul e mais 5 ou 6 transversais, ou seja com um total de uma dezena de auto-estradas, o país teria ficado magnificamente servido e com custos substancialmente mais baixos do que aqueles que todos tivemos que suportar e vamos continuando a pagar.


Não se optou, porém, por essa solução mais racional e o resultado está à vista. Percentualmente, Portugal deve ser, hoje em dia, o país da União Europeia – região do mundo, a que nenhuma outra, incluindo os States, estará em condições de pedir meças na matéria – com mais auto-estradas. E, não obstante, continua extraordinariamente mal servido, porque servido de forma desequilibrada. Há regiões do país com auto-estradas a mais, porque boa parte delas é totalmente injustificada, e outras que continuam à míngua.


E, com isto, o desenvolvimento harmonioso e justo do país é chão que parece fadado a jamais dar qualquer tipo de uvas. E teria sido tão simples, já que o território, na sua configuração, oferece todas as condições para tal solução!


No entanto, mantenho a concordância com a suspensão temporária do plano rodoviário nacional. Mesmo nos pontos mais desfavorecidos do território a circulação já se faz em condições muito aceitáveis e não é por sua responsabilidade que o desenvolvimento não se processa. O que falta é mais espírito de iniciativa, empreendedorismo e também incentivos fiscais. Quem viaje minimamente pelo país certamente que não terá dificuldade em subscrever esta afirmação.


Já quanto à suspensão das estruturas ferroviárias tenho as minhas dúvidas. Não no que toca à construção do TGV, de que discordo profundamente, excepção feita à ligação Lisboa-Madrid, para mais tarde, porém, e apenas para que fiquemos ligados à Europa, com os meios de que alguma Europa dispõe, mas relativamente às restantes ligações por carris.


Quanto ao comboio de alta velocidade, considero que os planos existentes revestem carácter profundo disparate, rematada asneira e teimosia sem sentido, que pagaremos todos muito caro, já que é perfeitamente dispensável e, mais do que isso, de evitar a todo o custo.


Na verdade, os actuais “alfas-pendulares”, com a sua velocidade de 220km/h, são mais do que suficientes para as necessidades do país. Mister é que as estruturas sobre que se deslocam sejam actualizadas e mantidas em condições de funcionamento aceitáveis. E, aí, sim, deve-se apostar, bem como na melhoria da generalidade dos restantes percursos ferroviários.


Para se aquilatar da desnecessidade do TGV, bastará fazer uma pequena e muito simples constatação. Com o Alfa-Pendular, a circular em condições normais, a uma velocidade média de 160/170km/h, é perfeitamente possível tomar-se o pequeno almoço em Faro, aí pelas 8h da manhã e começar a almoçar-se em Vigo, lá pelas 13h, já depois de, descansada e descontraidamente, se ter saboreado o aperitivo de que alguns não prescindem.


Claro que isto não será possível, com paragens em Tunes, Setúbal, Barreiro, Vila Franca, Entroncamento, Aveiro, Porto e Viana, em sentido ascendente, e Braga, Gaia, Coimbra, Santarém, Lisboa e Beja, no inverso – como algumas mentes “privilegiadas” preconizam para o TGV…mas dá bem uma ideia do que está sobre a mesa.


Portanto, quanto a comboios de custos altíssimos, de manutenção terrivelmente dispendiosa, sem contrapartida no movimento de passageiros e, para mais, absolutamente desnecessários, estamos conversados. Que se aposte, porém e decisivamente, sem tergiversações e soluções de continuidade nas estruturas ferroviárias.


Mas há um combate que considero de importância máxima, fundamental: o da Educação.


Esta preocupação será melhor compreendida se retivermos a noção clara de que o nosso atraso estrutural assenta, todo ele, na impreparação escolar e culturalmas não somente nessasdas sucessivas gerações de portugueses. Enquanto essa impreparação se mantiver, a mentalidade que nos trava e amputa manter-se-á também. E, mantendo-se, continuará a amarrar-nos às baias dos impedimentos de todos os géneros a que nos desenvolvamos como cidadãos individuais, em pequenos grupos e associações e no geral do país.


Claro que este atraso, gerado pela impreparação, não tem que constituir uma fatalidade que continuará a marcar-nos ao longo de ainda mais gerações. É preciso que a cadeia se quebre mas, para isso, necessário se torna que apareça um governo ou sei lá alguém ou algo de espírito aberto e ideias suficientemente arejadas para propor ao país, de forma séria, credível, soluções com boas perspectivas de galvanizarem a sociedade portuguesa, levando-a, no seu conjunto, a tornar-se mais dinâmica, mais empreendedora, mais responsável perante os deveres próprios que não pode postergar.


Essa reviravolta tem, contudo, que ser motivada e conduzida por alguém que esteja em condições de, pelo seu exemplo de vida e de comportamento social, profissional e cultural, levar a que as pessoas o queiram imitar tanto quanto possível. Pelo contrário, se a iniciativa partir de alguém em quem os portugueses não reconheçam tais predicados, já porque sabem que o patamar em que se apresentará foi alcançado à custa de expedientes nada recomendáveis do ponto de vista social ou mesmo de feição criminal, certamente que ninguém estará na disposição de o seguir. Salvo, claro, os que estiverem imbuídos do mesmo espírito de embuste social. Mas esses também não interessam ao país.


Se, porém, esse exemplo surgir, aí, sim, seremos um povo melhor, e, consequentemente, também a viver mais de acordo com o que deseja e certamente merece, com as mais adequadas condições para se dedicar à última das actividades essenciais referidas por António Balbino Caldeira, ou seja, a inovação, tecnológica ou de qualquer outro cariz, de que beneficiem o país e os seus cidadãos, mas também os restantes países do mundo e suas gentes.

...

6 comentários:

touaki disse...

Caro Ruben:

Ando um pouco ausente por motivos profissionais, mas há muito tempo defendo a propósito de comboio que não há necessidade de TGV. E creio que os investimentos são todos errados (ou quase) neste capítulo.
Dicas.
1ª - Não é por ser de Aveiro, mas a linha fundamental a ser feita é a de Aveiro-Salamanca (mista em velocidade elevada). O porto seco de Salamanca está pronto (ou quase)e o porto marítimo de Aveiro em fase de expansão. Esta via é FUNDAMENTAL para espanhóis e portugueses. Está programada para as calendas...
2ª O mesmo se poderia dizer da linha Sines-Badajoz;
3º Em vez de fechar as linhas do interior poderiam aproveitar para turismo e mesmo mercadorias. Melhorando, apostando nelas, nunca o fecho. Tudo e todos perdem. As linhas turísticas são um atractivo por essa Europa fora...
4ª fim do betão de auto-estradas no litoral. Há ligações prioritárias que já deviam estar feitas há muito tempo e são proteladas ad eternum. Será que se justifica uma autoestrada entre S, João da Madeira e Gaia??????
Enfim, os lobbies mandam... o desgoverno obedece....

Duarte Meira disse...

«Mas há um combate que considero de importância máxima, fundamental: o da Educação. (...)

« Claro que este atraso, gerado pela impreparação, não tem que constituir uma fatalidade que continuará a marcar-nos ao longo de ainda mais gerações. É preciso que a cadeia se quebre mas, para isso, necessário se torna que apareça um governo ou sei lá alguém...»

Estimado bloguista:

O que diz sobre a Educação é dum raro bom senso (já não comum).

O sistema educativo público, destruído em 74-75, não se recomporá das ruínas com meras reformas. Porque a educação é um subsistema do sistema social, seria precisa uma nova Revolução política. Contudo, feita com quem? As gerações dos 40-50 anos são a podridão que hoje (se) governa; as subsequentes, mal educadas pela escola e pela televisão do sistema pós-74, o que é que haverá a esperar delas?...

Perdida a autonomia política com a integração no Império Eurásico em formação, nenhum "governo" ("português") nem nenhum "alguém" humano será capaz de alterar significativamente o estado narcotizado e javardizado das massas que estão a levedar para o estado totalitário do fascismo tecnocientífico em preparação.

Um "governo"?... "Alguém"?... Lamento muito, mas essas soluções costumeiras do passado já estão bloqueadas.

Ruvasa disse...

Viva, meu caro touaki!

Ainda bem que "aí está", porque a sua vinda é sempre bem-vinda.

1 e 2 - Tudo bem, não sou fundamentalista quanto à ligação Lisboa-Madrid. Pode ser outra qualquer. Ou nenhuma. De TGV, claro!

3 e 4 - No fundamental, no que realmente interessa, estamos em perfeita sintonia. Bom será que se faça uma paragem nas auto-estradas que, como disse no post, são em tal número que, percentualmente (e em alguns casos nem só percentualmente) não haverá por essa Europa roca fora quem nos iguale, quanto mais bata. Conheço bastante bem grande parte dfa França, toda a Espanha e a It+alia de alto a baixo, com a Sicília incluída. E agaranto que estamos muito bem servidos de auto-estradas. Nem precisávamos de tantas.

E, depois, vemos coisas como esta: a partir de Abrantes e até Castelo Branco, a A23 - que não tem portagens em toda a sua extensão - é "imitada", nas curvas e rectas, por uma outra estrada, a antiga, que tem excelente largura, e um piso que é igual ou melhor do que o da auto-estrada. Pois bem: essa estrada está a ser completamente desaproveitada, porque ninguèm - mas ninguém mesmo! - por ele transita, uma vez que, como disse, ao lado, está a A23.

Conheço o país de alto a baixo, também, mas confesso que não estou em cindiçções de afirmar se h+a muitos ou poucos casos semelhantes. Este, porém existe. Pergunto: quantos milhões euros não foram deutados à rua, para preparar a antiga estrada do modo que está, para a ninguém servir?

Quanto às vias férreas, claro que também estou de acordo com o que diz. Qualquer país com governantes decentes náo ca+ia na cretinice de malbaratar as vias que tem.Pelo contrário, aproveitá-las-ia o melhor possível, pois que, como bem sabemos, o transporte ferroviário é muito mais barato do que o rodoviário.

E, como bem diz, há sempre a p+ossibilidade de crirar troços turísticos que, bem aproveitados, constituem um manacial de riqueza.

Recorda-se de que o Eça já dizia coisas muito semelhamntes lá pelos idos de 70? Isto é endémico. Herança de 1580...

Abraço

Ruben

Ruvasa disse...

Viva, Duarte Meira!

Que mais posso dizer, que acrescente ao que já disse e que o Duarte complementou de forma assaz certeira e definitiva?

Deixe-me apenas responder à sua surpresa, (Um "governo"?... "Alguém"?...) com o último parágrafo do post 2005.Crimninalidade violenta em Portugal:

"""
Nem que essa gente capaz tenha de ser recrutada, como estamos em crer, lá para... Marte ou mesmo Neptuno.
"""

Abraço e volte sempre. Será um prazer.

Ruben

hfrsantos disse...

Alfapendular so transporta 300 pessoas de cada vez, é absurdo pensar que esse comboio resolve o que seja no eixo Setubal Vigo onde vivem mais de 10 milhoes de pessoas.

Precisamos do IC2000 a circular na linha do Norte Lisboa-Coimbra-Porto-Viana do Castelo-Vigo que transporta 1400 pessoas de cada vez nos seus dois andares a 200km/h

O IC2000 é um comboio rapido 200km/h para zonas densamente povoadas como a nossa costa e nem precisamos fazer obras na linha do Norte.

Ruvasa disse...

Viva, hfrsantos!

Embora o Alfapendular transporte muito menos gente do que o TGV, nada impede - antes, tudo aconselha - que diariamente vários façam o percurso. Pelo que o óbice não estará aí.

No entanto, o que diz do IC2000, que não conheço, mais acrescenta à tese que defendi, que todos estamos a defender, aliás.

O problema estará, porém, em que nós, provavelmente cidadãos descomprometiudos, nada tendo investido no negócio, somos APENAS norteados pelo que entendemos ser o interesse público, enquanto que... será isso que acontece noutras paragens?

Abraço

Ruben