Charles Smith recebeu 80 mil euros por marcar reunião com Sócrates
As três tranches de 50 mil libras que o consultor Charles Smith referiu, num DVD, ter entregue a um primo de José Sócrates como alegado suborno pela aprovação do outlet Freeport estão discriminadas num contrato de 2002 e já foram analisadas em detalhe em Londres há dois anos.
A primeira tranche, que ao câmbio da altura correspondia a 80 mil euros, foi transferida do Freeport para as contas da Smith&Pedro - a consultora de Manuel Pedro e de Smith - no dia 24 de Janeiro de 2002 como prémio de "boa fé" (good faith payment) pelo facto, na prática, de os dois terem assegurado dias antes uma reunião entre o grupo inglês e o então ministro do Ambiente e actual primeiro-ministro, apurou o Expresso.
A reunião entre o Freeport, o presidente da câmara de Alcochete , o presidente do Instituto da Conservação da Natureza (ICN) e José Sócrates já foi assumida pelo primeiro-ministro e aconteceu antes de ter dado entrada no ICN (a 18 de Janeiro de 2001) um novo estudo de impacte ambiental com alterações ao projecto do outlet, levando à sua aprovação nos dois meses seguintes. Embora formalmente pedida pelo autarca de Alcochete, o Freeport reconheceu o papel da Smith&Pedro no seu agendamento, depois de tentativas infrutíferas por parte da embaixada britânica (ver texto em baixo).
Para isso terá sido fundamental um pedido de ajuda do consultor escocês a Júlio Monteiro, tio de Sócrates, que diz ter telefonado ao sobrinho a dar conta de que Smith se queixava de uns advogados lhe estarem a pedir milhões pela aprovação do outlet.
A segunda tranche referida no polémico DVD - e que o contrato entre o Freeport e a Smith&Pedro diz ser relativa à publicação do último estudo de impacto ambiental - foi transferida a 20 de Junho de 2002. Quanto à terceira parcela, foi paga em três vezes (a 19 de Agosto, 30 de Agosto e 3 de Setembro de 2002), sendo justificada com a assinatura de um protocolo para a minimização dos impactos ambientais do empreendimento. Por outro lado, e ao contrário do que vem no vídeo, não foram detectados levantamentos em dinheiro das contas da Smith&Pedro, embora haja cheques passados a Manuel Pedro e a Charles Smith.
Os pormenores são conhecidos desde Abril de 2007, quando um extenso relatório sobre o DVD foi enviado pela nova administração do Freeport em Londres à Serious Organised Crime Agency (SOCA), órgão policial especializado, entre outras coisas, em lavagem de dinheiro - e que concluiu não haver indícios de crime para abrir um inquérito em Inglaterra.
O relatório feito pelos advogados do Freeport, a Dechert, ao longo de quatro meses de investigação, foi depois reencaminhado para o Serious Fraud Office - mais vocacionado para a cooperação internacional - como resposta à carta rogatória enviada pela Polícia Judiciária em 2005.
Segundo a investigação da Dechert, o contrato foi assinado a 3 de Junho de 2002 mas começou a ser negociado em Dezembro de 2001, logo depois de o outlet de Alcochete ser chumbado pelo Ministério do Ambiente. No próprio documento está descrita a sua razão de ser: o Freeport reconhecia que houve "vários revezes" e que a Smith&Pedro "já se empenhou no projecto com recursos significativos" desde o anúncio do chumbo.
O contrato em causa foi o segundo a ser assinado entre o Freeport e a Smith&Pedro e faz alusão apenas ao pagamento de prémios sucess fee) tendo em conta objectivos e prazos específicos. A consultora deveria receber 500 mil libras, distribuídas por 10 metas e com pagamentos parcelares de 40 mil a 70 mil libras cada.
O que não foi pagoOs objectivos incluíam as aprovações dos projectos de arquitectura, infra-estruturas e acessos viários, mas só três das dez tranches previstas foram pagas, porque o então presidente do Freeport, Sean Collidge, considerou que os prazos não foram respeitados.
O não pagamento das restantes 350 mil libras em prémios e do IVA das 150 mil libras pagas, bem como outros valores em falta do primeiro contrato levaram Charles Smith a trocar emails frequentes com vários administradores do Freeport entre Novembro de 2003 e Dezembro de 2005, em que reclamava 450 mil euros de dinheiro a haver - mais de metade relativos a impostos. Num email de 8 de Setembro de 2005 dirigido a Gary Russell, escrevia: "Se me puder ajudar a pagar algumas destas contas. será uma ajuda muito grande". E alertava: "O pagamento dos impostos é fundamental para mostrar que ambos temos cumprido com as autoridades. O não pagamento (ou o pagamento tardio) apenas abrirá a porta a mais investigações". Nessa altura já a PJ fizera buscas ao Freeport e à Smith&Pedro em Alcochete, por suspeitas de corrupção.
Um acordo seria assinado com Sean Collidge a 1 de Fevereiro de 2006, regularizando a situação dos impostos, mas deixando de fora a questão dos prémios. Terá sido isso - e por desespero - que fez Smith, segundo o próprio disse à polícia inglesa, a inventar um mês depois a história que vem no DVD. E da qual está a ser difícil libertar-se.
Expresso 2009.05.01
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