Os portugueses têm de salvar-se de si próprios, para salvarem Portugal

quinta-feira, 16 de julho de 2009

2439. Exposição "Portugal e o mundo"

Na tarde de ontem, logo após o almoço, resolvemos cá em casa, sair e dar um salto a Lisboa, expressamente para ver a Exposição "Portugal e o Mundo nos séculos XVI e XVII".

Se bem o pensámos, melhor o fizemos. Sim, porque nós somos mesmo assim. Basta que subitamente se nos meta na cabeça ir aqui ou ali ou mais além, quase tão subitamente lá estamos a caminho.

Por vezes, por motivos fúteis ou sem outra razão que a de nos apetecer. Desta vez, porém, o motivo era mesmo ponderoso. E nem sequer na altura, embora assim o julgando, desconfiávamos do quão ponderoso realmente era!

Fomos até ao Museu Nacional de Arte Antiga, onde a exposição decorre e, uma vez lá, extasiámos. Aliás, em cerca de 12 meses, é a a segunda vez que nos acontece. A outra foi, em 2008, a exposição itinerante do Hermitage, de S. Petersburg, que aconteceu poucos meses antes das nossas férias no Báltico, em Moscovo e na cidade do Neiva. E se então valeu bem a pena, até porque nos preparou para o tremendo choque que foi a entrada na casa-mãe, perante tanta beleza e História extraordinariamente bem preservadas, também desta vez não ficámos defraudados.

A exposição "Portugal e o mundo..." (Encompassing the globe), que integra no seu comissariado científico Jay A. Levensson (director do departamento internacional do Museum of Modern Art, MoMA, de Nova Iorque), Jean Michel Massing (Professor do Departamento de História de Arte da Faculdade de Arquitectura e Artes Decorativas da Universidade de Cambridge), Julian Raby (director da colecção nacional da América de arte asiática, sediado na Freer Gallery of Art do Instituto Smithsonian, de Wahsington), Nuno Vassallo e Silva (vice-director do Museu Calouste Gulbenkian) e outros nomes de vulto da museologia e das artes decorativas, e no comissariado executivo Teresa Pacheco Pereira e Paulo Henriques, o último conservador do MNAA e a primeira conservadora-assessora do mesmo museu, onde é responsável pelo Departamento de Téxteis, acaba, no fundo, por evidenciar o conceito de globalização, de aldeia global, nascido no século XVI, através da acção dos Navegadores Portugueses, contrariando, deste modo, uma certa ideia feita - contra a qual me tenho batido de há anos a esta parte - de que tal conceito é recente e de origem além-atlântica.

A exposição foi, pois, inicialmente concebida para ser mostrada nos USA, assim se dando, de forma diversa da que é habitual, a conhecer os feitos do povo que maior preponderância teve no desenvolvimento do conhecimento das mais longínquas regiões do globo e seus habitantes, tendo sido depois decidido que o seria também em outros pontos do mundo, a começar pelo nosso País, afinal o grande homenageado por ela.

Inicia-se com um mapa-múndi, segundo a visão ptolomaica, o qual é da autoria do florentino Arrigo de Federico Martello e datado de 1490, antes, portanto, da chegada de Colombo à América do Norte, da de Vasco da Gama à Índia e da de Cabral às terras de Vera Cruz.

Seguem-se-lhe outro planisfério, da autoria de Francesco Rosselli, igualmente de Florença,este datado de 1508, portanto incluindo já também aqueles territórios, e o denominado mapa completo do mundo, ao jeito do encompassing globe, desenhado por Francesco Cambina, em Nanquin, onde decorria a dinastia Ming, isto já em 1639.

O percurso da exposição dá depois a conhecer uma sucessão de objectos e documentos, tais como a célebre Custódia de Belém, cuja foto ilustra este post, de ouro e esmalte, feita em Lisboa em 1506, uma belíssima Cruz Processional, de prata, feita no Porto em 1547, ambas ladeando os Painéis de S. Vicente, de Nuno Gonçalves, de 1470, tapeçarias, estatuetas, cofres, peças várias de marfim e toda uma miríade de verdadeiros tesouros alusivos ou ligados à saga dos Descobrimentos, feitos nos mais diversos pontos do mundo.


A proveniência destas peças de altíssimo valor é, também ela, dos mais diversos detentores, espalhados pelo globo, em colecções oficiais e particulares, com especial relevo para as cidades de Lisboa, Porto, Coimbra, Évora, Veneza, Florença, Bruxelas, Viena de Áustria, Copenhaga, Londres e diversas cidades da Alemanha, bem como de S.Petersburg, do Hermitage, na Europa, S. Paulo, no Brasil, e Goa, na Índia.

É, na verdade, uma extraordinária exposição que não deve ser perdida, já que dificilmente será possível reunir de novo um tal acervo de História e Arte, tão ligadas ao nosso passado.

A mostra decorre de 15 de Julho a 11 de Outubro.


Até aqui, tudo bem, havendo apenas motivos para referências elogiosas, bem merecidas, aliás.

Porém - o maledetto porém, que nunca falha... - não é possível escamotear dois aspectos muito negativos verificados in loco e um terceiro na Net:

Lamentavelmente, a exposição não tem um simples catálogo, sequer, que oriente os visitantes acerca dos motivos e finalidade do evento e bem assim do que foi a gesta dos Descobrimentos e do conceito de aldeia global.

Porque, deve ser notado, a exposição não foi levada a efeito apenas para os conhecedores, que serão os que menos delas precisam. Foi-o certamente e em primeiro lugar, para o grande público. E este necessita, quando menos, de uma pequena bengala, sem o que corre o sério risco - que é certo - de ver e, afinal, de lá sair sem efectivamente ter visto seja o que for de valia. No decurso da visita que fizemos, ouvimos comentários completamente abstrusos de gente interessada mas sem saber realmente o que estava a ver. O que numa exposição destas se aprecia não é o mesmo que se aprecia numa montra de uma qualquer
fashion boutique.

Não parece que seja assim que se deva promover a cultura dos portugueses e o conhecimento da sua História.

Tem, sim, um roteiro, calhamaço de 360 e tal páginas, que adquiri, muito interessante realmente mas ao preço de 40€, valor que, cá fora, no comércio normal, teria considerado insuficiente para pagar tal preciosidade, mas que, ali, no principal Museu do País, constitui uma aberração, já porque se trata de um livro que deve ser considerado de estudo, já porque é inadmissível que um Estado que é capaz de subsidiar em milhares de milhões de euros bancos privados e outros, incompetentemente geridos ou geridos com dolo, não revele iguais preocupações com a transmissão de saber aos cidadãos, em acções que lhe ficariam muitíssimo mais baratas e com bem melhor aproveitamento, sem desperdícios criminosos.

Não parece que seja assim que se deva promover a cultura dos portugueses e o conhecimento da sua História.

O terceiro apontamento é relativo à divulgação da Exposição, no site do Museu. Simplesmente não existe. Não há a mínima referência e, neste aspecto, o site está mesmo desactualizado desde 7 de Junho passado, dia em que terminou a exposição temporária que precedeu a actual. Lamentável! A este propósito, enviei já esta manhã, um email ao MNAA fazendo o reparo. Aqui fica o texto:


Bom dia!

Venho felicitar-vos pelo extraordinário evento que constitui a realização da Exposição em epígrafe.

È pure…

Venho igualmente, agora sabendo-me embaraçado por ter que referi-lo, dizer-vos que considero inusitado, eufemismo de que me sirvo na tentativa de evitar ferir susceptibilidades, que o site do MNAA seja completamente omisso acerca dela – como se nada tivesse que ver com a sua realização – e esteja mesmo completamente desactualizado desde que encerrou a anterior, passados que são 40 dias, embora a sua actualização, neste pormenor – que efectivamente é um “pormaior” – não faça “perder” a qualquer informático de meia tigela mais do que 5 minutinhos, ou seja, tanto ou menos tempo do que o necessário para a toma de uma simples “bica”!

Repito: inusitado e só possível em Portugal.

Não resisto a acrescentar: lamentável!

O que revela de amadorismo e de outras qualidades - que não refiro expressamente pelos mesmos motivos que deixei assinalados acima - dificilmente aceitáveis é o que certamente VVExas estarão já a cogitar.

Apresento cumprimentos


Para terminar, uma nota agradável. Após a visita e porque eram já horas, decidimos lanchar no Museu e, embora já o tendo feito anteriormente, perdemo-nos um pouco e estávamos sem saber por onde seguir para lá chegar, pelo que perguntámos a uma senhora que acabava de acompanhar um estrangeiro à porta.

A forma como nos atendeu é, na verdade, digna de realce, pela delicadeza de trato e deferência com que se prontificou a elucidar e acompanhar duas pessoas que jamais vira. Levou-nos por corredores e galerias até que , tendo reconhecido o local, manifestámos já não precisarmos de mais indicações.

Este simples facto, afinal tão natural, não mereceria referência, não fora a circunstância de ser completamente inusitado em serviços públicos portugueses (temos encontrado atitudes destas por esse mundo fora, a última das quais em Setembro do ano passado, no Latvijas Nacionalais makslas muzejis, em Riga e, mais tarde, no Hermitage) e mais ainda por termos constatado que a senhora, que não conhecemos, não parecia tratar-se de alguém com a missão específica de relações públicas do museu. Pelo discurso e assuntos abordados e pelo modo como os funcionários do museu a encaravam com deferência, ficámos com a sensação de que se tratava de Teresa Pacheco Pereira, a conservadora-assessora do MNAA, embora não tivesse havido ocasião para apresentação formal.

De qualquer modo, fosse ou não fosse, o que verdadeiramente conta é o modo extremamente cortês e deferente, sem as arrogâncias e superioridades que por aí tanto se vêem, como tratou dois simples visitantes, vulgaríssimos de Lineu. De assinalar, na verdade, pelo que fica o registo.
...

7 comentários:

Teresa Diniz disse...

Li com atenção o que diz da exposição, que irei ver na semana que vem, em que entro de férias.
Também já tinha constatado essa situação no site do museu.
Bjs

Ruvasa disse...

Viva, Teresa!

Espero que goste. tenho mesmo a certeza de que vai gostar... e muito.

* * *

Derixe que aproveite para dar-lhe uma sugestão diversa deste tema.

Já leu "Mar das Especiarias", de Joaquim Magalhães de Castro, prefaciado pela Ana Gomes, que eu dificilmentye suporto, mas que aqui não faz mossa, acerca das Molucas e dos incontáveis e diversificadíssimos vestígios que os nossos antepassados por lá deixaram e ainda hoje perduram em força? Recheado de fotos, verdadeiros testemunhos dos traços portugueses nos indonésios, à semelhança, aliás, do que acontece com os birmaneses (actual Nyanmar).

Estou a lê-lo, como já fiz com outras obras similares de outros pontos do globo e a gostar imenso.

É da Editorial Presença, com 1ª edição de Abril deste ano, pelo preço de 16€.

Creio que vai apreciar muito, como conhecedora que é.

Abraço grande.

Ruben

Teresa Diniz disse...

Obrigada pela dica. Vou ler, claro, até porque o tema me interessa muito, como sabe. Vou esquecer que o prefácio é da Ana Gomes, que é uma personagem que eu detesto - grita muito.
Depois digo-lhe as minhas impressões.

Ruvasa disse...

Viva, Teresa!

Ora aindfa bem que a sugestão foi útil.

Pelo que já li (não foi muito, porque apenas esta tarde comprei o livro, de que jã tinha boas referências) mas quer-me parecer que é mesmo muito bom.

Abraço

Ruben

Débora disse...

Oi,Ruvasa

Benditas Tertúlias que nos permite encontrar blogs como o seu....
Olhando todo o fundo,parece-me estar voando sobre Portugal. Lendo sobre a Exposição,me veio água na boca...uma pura inveja branca!Sou brasileira e infelizmente não conheço a Santa Terrinha!
Parabéns!Obrigada pela visita.Volte sempre!
Beijo

Ruvasa disse...

Viva, Débora!

Sim, a Tert+ulia foi coisa boa. Mas parece que vem a+i outra. Esoeremos.

Obrigado pelas palavras amáveis sobre o meu blog.

Abraço

Ruben

Ruvasa disse...

Viva, Murilo!

Sim, vou passar por lá. Obrigado pelo convite.

Abraço

Ruben