Os portugueses têm de salvar-se de si próprios, para salvarem Portugal

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

2835. O ego português


O ego português

“Os espanhóis adaptam-se aos novos tempos com maior facilidade do que os portugueses. Os portugueses regressam das suas viagens ao outro lado da fronteira entusiasmados com a forma como tudo funciona, com a vitalidade de Espanha, com as oportunidades, com a sofisticação, Portugal continua preso ao passado, sedentário e incapaz de se livrar dos seus costumes derrotistas. Não aproveitou as oportunidades que vieram ao seu encontro, nem ao nível oficial, nem entre o público em geral. Uma amiga minha portuguesa, de férias durante um ano, aproveitou cerca de uma semana para percorrer de carro a orla da enorme Barragem de Alqueva, no Sudeste de Portugal, que ultrapassa a fronteira para o lado de Espanha. Ela e o seu pequeno grupo deram a volta ao lago do lado português (pagando «15€ por cabeça», em dinheiro, por quartos em casas particulares) e encontraram aldeias que não tinham mudado muito durante décadas, à excepção de agora se encontrarem junto a uma enorme massa de água. Do lado espanhol do lago, entretanto, as aldeias tinham construído cafés junto da água com frondosas esplanadas, parques infantis e áreas de tomar banho, aproveitando ao máximo o potencial do local.”
(Barry Hatton, “The Portuguese – A Modern History”, edição portuguesa Clube do Autor, 3ªedição – Junho 2011.)

* * *

São textos-descrição como este – de um inglês, correspondente em Lisboa da United Press International, a viver, com a mulher e filhas portuguesas, em Portugal há mais de 20 anos e profundo conhecedor do país e das suas gentes, de que é amante confesso – que eu ambiciono ver desaparecerem de uma vez por todas, tanto de letra de forma como de conversas sociais, e não apenas sociais, por esse mundo fora, especialmente na Europa de cujos registos administrativos oficiais fazemos parte, mas cujos povos continuam a opor grande resistência a nela efectivamente nos integrarem.

Porque eles, os textos, são muito agressivos para o nosso ego, mas apenas porque o nosso ego não é por nós próprios satisfeito. Temos muito ego nacional, mas apenas discursivo. E esperto, mas não inteligente, porque não resistimos a continuar à espera de que ele seja satisfeito por outrem que não nós próprios. Ego prenhe de esperteza que parece ter nascido ali para as bandas da Malveira (sem ofensa para os malveirenses que parece terem recebido, com toda a certeza injustamente, uma catalogação que deveria ter sido atribuída a muito mais gentes deste rincão pré-europeu).

Porque eles, os textos, nos descrevem com muito mais precisão e honestidade do que gostaríamos. O que, por via de regra, neles nos enfurece não é a mentira, sequer a visão imperfeita do que somos; o que realmente nos enfurece é neles nos reconhecermos e não gostarmos do que descobrimos.

O exemplo das margens portuguesa e espanhola do lago de Alqueva é bem elucidativo das mentalidades de gentes fisicamente tão próximas e, no entanto, tão afastadas na postura de vida. A nascente (nascendo…) o espírito empreendedor espanhol, independente e construtivo; a poente (morrendo…) a dependente postura portuguesa, incapaz de construir por si própria, sempre na expectativa de que alguém, maxime o Estado, faça o que só a ela compete fazer.

Se ressuscitasse, agora português e em Portugal, John Fiztgerald Kennedy logo morreria de novo, desta vez de desgosto irreparável. De que lhe iria valer a célebre frase de aglutinação de vontades, de congregação de empenhos no desenvolvimento do País “… não perguntes o que é que o País pode fazer por ti; pergunta, isso sim, o que é que tu podes fazer pelo País!” ?

Não, não quero ler mais textos destes. Não porque estes escritores sejam banidos do nosso meio, mas sim porque não mais os possam escrever, por falta de material que os consubstancie.

RVS
2012Jan12

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