Os portugueses têm de salvar-se de si próprios, para salvarem Portugal

segunda-feira, 12 de março de 2012

2908. Roteiros VI - Cavaco Silva

Para que não se persista, como é hábito, em discutir coisas sem se saber realmente acerca do que se discute, aqui fica um extracto da parte em discussão do prefácio do “Roteiros VI”, da Presidência da República.

* * *

(…)
O modo como foi apresentado publicamente o novo Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC IV) tornou-se o sinal mais evidente daquela falta de confiança. O Governo decidira avançar isoladamente, sem a precaução de, em devido tempo, desenvolver esforços para criar condições de diálogo com as forças da oposição que permitissem obter um consenso capaz de garantir o indispensável apoio político à aprovação de novas e mais exigentes medidas de consolidação orçamental.

O anúncio do “PEC IV” apanhou-me de surpresa. O Primeiro-Ministro não me deu conhecimento prévio do programa, nem me tinha dado conta das medidas de austeridade orçamental que o Governo estava a preparar e da sua imprescindibilidade para atingir as metas do défice público previstas para 2011, 2012 e 2013. Pelo contrário, a informação que me era fornecida referia uma situação muito positiva relativamente à execução orçamental nos primeiros meses do ano. O Primeiro-Ministro não informou previamente o Presidente da República da apresentação do Programa de Estabilidade e Crescimento às instituições comunitárias. Tratou-se de uma falta de lealdade institucional que ficará registada na história da nossa democracia. O Presidente da República, nos termos constitucionais, deve ser informado acerca de assuntos respeitantes à condução da política interna e externa do País.

Esta atitude contrastou de forma flagrante com aquela que o Governo tinha adotado meses antes, no processo de aprovação do Orçamento para 2011. Logo a seguir às férias do verão, o Primeiro-Ministro começou a informar-me, com algum detalhe, sobre as intenções do Governo e sobre as dificuldades que poderiam surgir nas negociações com os partidos da oposição, em particular com o PSD. Foi-me assim possível, durante cerca de dois meses, acompanhar de perto as questões políticas e financeiras relacionadas com a aprovação do Orçamento, desenvolver contactos com dirigentes partidários, apoiar as negociações e favorecer os entendimentos. Em suma, conseguiu evitar-se a ocorrência de uma crise política que, a precipitar-se naquela altura, seria
particularmente grave, uma vez que, nos termos da Constituição, me encontrava impedido de dissolver a Assembleia da República e convocar novas eleições. Se acaso tivesse ocorrido uma crise nesse momento, a sua resolução e a clarificação da situação política só poderiam verificar-se passados vários meses, com indiscutível prejuízo para o interesse nacional.

Foram vários os agentes políticos que, simulando não ver que o comportamento do Governo em relação ao Presidente da República, no caso do Orçamento para 2011 e no caso do “PEC IV”, eram diametralmente diferentes, assim como eram bem distintas as posições dos partidos da oposição, me acusaram de não ter atuado por forma a evitar a crise política, como fizera no primeiro caso.
(…)

Sem comentários: