Os portugueses têm de salvar-se de si próprios, para salvarem Portugal

domingo, 9 de setembro de 2012

2974. Os que efectivamente sentem a crise



N a parte que se refere às responsabilidades individuais, dos cidadãos, portanto, na criação da situação em que estamos, porque a responsabilidade, sendo dos políticos e, primeira mão, não é apenas dos políticos…
e
tendo em atenção que os portugueses que já antes da crise viviam com dificuldades insuportáveis, por serem os mais desprotegidos de sempre da sociedade portuguesa, para os quais a crise pouco agravou a sua condição ou mesmo nada a agravou e, pelo contrário, a melhorou, não somente porque os bens alimentares e outros desceram de preço, mas igualmente porque a eles não foram cortadas benesses que a outros foram e até algumas melhorias os contemplaram já, pelo que a desproporcionalidade se desacentuou,
anotando ainda que,
para além dos que perderam o emprego, num total que estará muito perto das 190 mil pessoas, tendo em atenção que a taxa de 2010 era de 11,5% (632 mil) e no final do primeiro trimestre de 2012 de 14,9% (819 mil), eis a lista dos que efectivamente sentem a crise:

Todos os que, dispondo de rendimentos para determinado estilo de vida, optaram alegre e irresponsavelmente, por um outro consideravelmente superior.

Desde logo porque:

1. – podendo tomar o pequeno-almoço em casa, antes de sair para o trabalho, o faziam e fazem – e levam as famílias a fazê-lo também – na pastelaria mais próxima do bairro (confira-se ainda hoje isso, a título de mero exemplo, repetido por todo o lado, nas “avenidas novas” de Lisboa)

2. – podendo tomar a refeição de almoço como fazem outros povos com poder de compra muito superior, como os ingleses, que o trazem de casa, em lancheiras, ou os americanos, que se limitam a um hot-dog e um refrigerante, optaram sempre por frequentarem restaurantes, para empanturrantes almoços de faca e garfo, sem olhar a gastos (quem achar que não é de ter em linha de conta, que faça as contas a almoço em restaurante diariamente em cada 22 dias do mês a ver a que conclusão chega…) ;

3. – tendo disponibilidades financeiras para adquirir casa de determinado valor – e não mais – em determinados bairros, optaram conscientemente por adquirir outra bem mais cara e com localização mais “in”, para mostrar a amigos e conhecidos “quem é quem e onde vive”;

4. – tendo posses para adquirir viatura automóvel de determinados cilindrada e espavento, se decidiram por outra muito mais cara e dispendiosa, por motivos da mesma ordem dos do número anterior, ou seja, para mostrar a amigos e conhecidos “quem é quem e em que bólide se pavoneia” (atente-se no assombroso número de BMWs. Audis e Mercedes dos mais variadíssimos modelos que por circulam neste País de gente rica e bem assim no não menos assombroso número de veículos tipo “Hummer” que igualmente são exibidos numa ostentação infame, neste “País das Maravilhas, por gente que não tem onde cair morta;

5. – apenas tendo massas para gozar as férias anuais “lá na terrinha” ou, quando muito, nas costas Vicentina, da Prata ou Verde, o ia (e em muitos casos ainda vai) fazer em Varadero, Cancún, Banda Acheh ou Phuket, para tal contraindo empréstimos do caríssimo crédito pessoal para um ano, sem que tivesse acabado de pagar o do ano anterior;

6. – devendo usar roupas normais, de acordo com o seu estatuto pessoal e financeiro, optaram – e continuam a optar – por apenas usar roupas de marca, uma vez que “não pode vestir, nem deixar que a família vista, coisa menos flamante do que vestem “o parvalhão do vizinho e a respectiva família de ranhosos”;

7. – podendo optar por adquirir produtos de origem nacional, mais baratos, fugiam dessa parolice como o diabo foge da cruz, porque os produtos estrangeiros, sendo mais caros, têm outro estilo, sendo, como se sabe, sempre de muito melhor qualidade, mesmo quando são manufacturados nos mesmos locais, pelas mesmas pessoas, com os mesmos materiais (caramba, uma coisa é “adquirir Calvin Klein ou Dolce & Gabanna”, outra, bem diferente é “comprar Lanidor ou Ana Sousa” – têm outro quid, não sei se estão a ver…;

8. –  podendo, no hipermercado que frequentam, abastecer-se ao alcance das suas bolsas, com produtos brancos, dos hipermercados, a preços substancialmente inferiores aos das marcas e com qualidade absolutamente igual, por se tratar, em ambos os casos, do mesmíssimo produto, preferem levar o de marca… o que se compreende porque este faz muito mais vista no carrinho das compras do que o outro… e o que é preciso é mostrar que se tem o que na verdade não se tem, para o vizinho ficar invejoso…

A enunciação destas hipóteses pode estender-se por muitos mais números. É só questão de escolher o tema a abordar.

Tudo é, pois, uma farsa pegada, de gente burra e irresponsável, que precisa de tutela porque não sabe governar-se por si, nem defender os interesses próprios. Que agora paga, claro! Sob o cutelo da justiça divina, assinale-se, aqui sob o disfarce de “troika”!

Reconhece-se em alguma ou algumas das hipóteses elencadas? Não me diga que não!

Quase apostaria que consegue mesmo. E se não nestas, em outras de semelhante valia e efeito. Claro que não sou ingénuo a ponto de esperar que se confesse em público. O que pretendo com isto é que consulte a sua consciência cívica e moral. Será o suficiente.

Pois, o que é que julga que exprime a frase tantas vezes por aí repetida de que “andámos, por anos e anos a fio, a consumir três, quatro, cinco vezes mais do que aquilo que podíamos, em face do que efectivamente produzíamos”?

Sim, é a isto mesmo que a frase se refere. A nada mais do que isto. E acerta em cheio no cerne da questão.

De uma simplicidade e lucidez que até magoa, não é verdade? Mas devia magoar bem mais, porque só a dor da cura que efectivamente magoa e muito, tem o poder de sarar as feridas da maleita!

Quanto aos restantes, os que sempre fizeram vida de acordo com as suas reais disponibilidades – que os há, creia – sem o complexo das grandezas ou a vontade de achincalhar o vizinho ou até de aplacarem a inveja que lhes corrói a alma, a actual crise, afectando-os também, não os derrota.

Esses, não são passíveis de ser derrotados.

9 Setembro 2012

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