Os portugueses têm de salvar-se de si próprios, para salvarem Portugal

sábado, 8 de setembro de 2012

2973. Comunicação ao País


C omo é bem sabido, sou apoiante do actual governo e do seu primeiro-ministro. Não incondicional, porque incondicional não sou de nada, nem de ninguém. E o meu trajecto político é disso boa testemunha. Considero-me mesmo independente e se entendo ser meu dever de cidadania apontar erros dos que politicamente me são mais próximos, não hesito. Se nunca hesitei quando tinha que ganhar a vida, menos iria hesitar agora que já não preciso de fazê-lo.

* * *


Entendo que a missão de que o primeiro-ministro e o governo estão encarregados é extremamente difícil, sendo indispensável dispor-se de muita força de carácter, muita disponibilidade mental e muita coragem moral para a levar a cabo, como tem que ser levada, para que o País seja resgatado da situação de autêntico lodaçal em que foi afundado por força da incompetência, da venialidade e da profunda – por que não dizê-lo? – ausência de espírito de portugalidade de muitos trastes que, ao longo de décadas, tiveram o Poder nas mãos, para servirem a comunidade e dele apenas se serviram em proveito próprio.

Mas a quem agora detém o Poder e é depositário da ingente missão que é preciso levar a cabo, não bastam as características indicadas.

É preciso convicção pessoal, íntima, não somente para levar à prática os actos que julgue adequados ao desiderato nacional que há que prosseguir sem desfalecimentos, mas igualmente para a transmitir aos governados.

E é indispensável também saber “o quê”, “quando” e “como” comunicar.

Ora, na comunicação de ontem ao País, o primeiro-ministro falhou em toda a linha. Não no conteúdo nas medidas anunciadas, mas na forma como anunciou e no tom usado.

Não falhou no conteúdo porque as medidas muito dificilmente poderiam ser outras – quem disser que tudo se resolve facilmente de outra forma, ou estará equivocado ou a induzir em erro os cidadãos, com dolo, por saber que não há outra forma e não obstante insistir na tecla.

Mas falhou rotundamente na forma com as apresentou e na postura pessoal que adoptou.
 
Na verdade, há muito tempo que não assistia a um discurso tão mal concebido e a um seu débito tão fraco, tão inconsistente.

É sabido que Pedro Passos Coelho usa um tom e uma forma de dizer que tem a preocupação – instintiva, não fabricada, portanto – de não dramatizar as coisas, o que, de modo geral, traduz uma sã e lúcida atitude, porque o pior que um governante pode fazer é dar mostras do desnorte neurótico a que assistíamos com o antecessor no cargo, cujas “sessões” se revestiam de elementos trágico-cómicos que lhe retiravam toda a credibilidade.

Mas há momentos em que um governante – qualquer governante – que se preze, tem que pôr os governados perante as realidades da vida e de usar o ênfase que as sublinhem de forma iniludível. Há momentos, na verdade, em que é sim ou sopas, sem lugar a meias tintas.

Ora, ontem,  Pedro Passos Coelho falhou em toda a linha. Desde logo, na estruturação do discurso; depois, na postura corporal, a postura de um homem derrotado e descrente. Ainda bem que a esmagadora maioria dos portugueses não sabe ler posturas corporais e respectivos significados.

O discurso estava muitíssimo mal estruturado e redigido. Numa intervenção daquelas, muito embora deva ser escrita para evitar percalços, há que ter o cuidado de a redigir de tal modo que, quando lida, não pareça que o está a ser, antes dê a ideia de que sai do fundo da alma, com toda a convicção do mundo. Nesse aspecto, foi um verdadeiro desastre.

Se quem escreveu o discurso – não tendo sido ele – mais valera ter-se dedicado à agricultura de enxada, quem o leu – ele próprio – deveria previamente tê-lo lido várias vezes em voz alta perante gente que saiba alguma coisa de comunicação verbal.

A comunicação em actos de governo não pode estar entregue nas mãos de amadores rascas. Ao menos que, neste capítulo, algo tivessem aprendido com os profissionais ao serviço de Sócrates, que nem a postura corporal do homem e o ângulo por que era filmado descuravam. Ou seja, chegavam ao exagero, ao cómico mesmo, mas mais valia isso do que a insensatez de ontem.

Depois, é profundamente lamentável que o primeiro-ministo apresente medidas como as que teve de apresentar, evidenciando falta de convicção dele próprio – o que ninguém nas suas condições deve permitir-se deixar que se perceba, porque isso apenas desmobiliza, quando tão necessária é a mobilização de quem pretende salvar o País – sem, a título de contrapeso, oferecer um lampejo de esperança.

E a parte final do discurso constituiu a cereja em cima do bolo do exemplo do que jamais deve ser feito. Depois de ter anunciado novas medidas que vão agravar as condições de vida dos portugueses, medidas duras, mas que é minha convicção de que são necessárias, como tenho vindo a dizer, a referência às medidas a tomar relativamente a PPPs, fundações e outras patifarias congéneres, mais valia terem ficado no tinteiro ou na garganta. Porque nelas falar como que a medo e uma vez mais sem convicção alguma, com a voz mesmo sumida, é pior do que calar o assunto.

Apoio, pois, como já inúmeras vezes escrevi e efectivamente tem vindo a acontecer aos olhos de quem me lê, o trabalho que tem vindo a ser feito, mesmo os erros, porque ninguém que faça obra a ergue sem a comissão de erros, mas a prática da comunicação verbal que tem sido adoptada, e que ontem teve o seu auge, é, a todos os títulos, lamentável e fico a fazer votos por que não se repita.

Sei que este escrito não vai chegar ao primeiro-ministro, Nem sequer a ninguém dele próximo, que o alerte para o assunto. Mas gostaria que alguém com senso comum suficiente o despertasse para estes pormenores, em política tão importantes, decisivos mesmo, e, em consequência, impossíveis de ignorar e menos ainda de arrasar, dinamitando-os.

Pedro Passos Coelho tem mostrado – a quem está disposto a ver, que os outros, nem a Senhora de Fátima convenceria – capacidade para governar o País nos termos adequados ao incontornável resgate. Tem evidenciado igualmente forte determinação e empenho no cumprimento da missão, que missão é mesmo nas circunstâncias em que está a ser levada a efeito. Mas não pode malbaratar o capital de seriedade que isso lhe traz, com apresentações como a de ontem.

É que nem uma palavra de estímulo, uma palavra de apelo á congregação de esforços, com vista a atingir-se o bem comum; nem uma palavra que desperte os portugueses da letargia em que estão e incendeie os de boa vontade e os leve ao redobrar de energias no combate; nem sequer uma palavra de esperança, de “vamos ter de fazer mais este sacrifício, mas o fundo do túnel está ali a chegar”. É demais! E o que é demais, é exagero inadmissível.

Que é isto, primeiro-ministro? Os portugueses precisam de quem incentive a sua dignidade e reerga o seu orgulho nacional, porque para os desanimar e deitar abaixo já cá temos muitos patifes. Muito mais do que algum dia necessitámos.

8 Setembro 2012


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