Os portugueses têm de salvar-se de si próprios, para salvarem Portugal

quarta-feira, 18 de abril de 2007

1004. É tempo de agir!


A situação a que Portugal chegou é, a todos os títulos, deprimente. As dificuldades orçamentais aparecem evidenciadas, apenas por força da conjuntura.

O mal-estar e a insatisfação que se constatam em todo o País têm raízes mais fundas. O que está verdadeiramente em causa é um problema de cultura de vida em sociedade.

Só razões de ordem psicológico-cultural podem explicar a nossa queda no fosso em que nos situamos actualmente, depois de sistematicamente, ao longo de sucessivos anos, termos ignorado todos os avisos que as nossas realidades nos evidenciaram.

É assim que, para além da questão orçamental e económica, nos defrontamos com gravíssimas carências nas vertentes educacional, artístico-cultural, social, de administração pública até de actividade privada, com perda irremediável de valores indispensáveis a um equilibrado e harmonioso desenvolvimento sustentado da sociedade que integramos.

Ora, é sabido que tal não tem acontecido e, muito pelo contrário, foram malbaratados e perdidos valores fundamentais da identidade nacional.

Sendo certo que este é um problema de todos os portugueses, não pode permitir-se que, sob esta verdade, se escamoteie a responsabilidade, em primeira linha, dos políticos que nos têm governado e continuam a governar.

Na verdade – e a verdade é para se proclamar frontalmente, sem tibiezas – a forma como temos sido governados é a grande responsável pela situação em que o País se encontra. Já ninguém acredita na bondade da política e menos ainda nos propósitos dos políticos, por muito dignos que sejam, e isso é dito à boca cheia por todo o país. Estamos a degradar, de forma irremediável, talvez, a democracia por que tanto ansiámos.

E não se vê que, da parte do poder político, dos vários poderes políticos, surja uma mensagem de esperança, congregadora de vontades e aptidões. Mensagem catalizadora de anseios, mobilizadora de capacidades, porque estribada em exemplos de dignidade, capacidade e vontade de acertar.

Não há, numa palavra, verdadeira classe dirigente em Portugal.

Muito pelo contrário, aquilo a que, em crescendo, se assiste, apenas tem como resposta de efeito, a radicalização do binómio nós-eles, em que nós, sociedade civil, estamos cada vez mais sós, desoladamente entregues à nossa sorte, e, igualmente de forma crescentemente mais isolada, eles, ou seja, a classe política, sem excepções claramente visíveis.

A manutenção deste status quo e o seu agravamento constante nada de bom oferece à sociedade portuguesa, potenciando, pelo contrário dificuldades surgidas a cada episódio menos feliz. Pode mesmo ser factor determinante para que se atinjam níveis não compagináveis com um relacionamento saudável entre todos.

Os últimos desenvolvimentos desta crise de valores têm-se revelado particularmente desastrosos, razão por que entendemos, como membros da sociedade civil, não politicamente enfeudados, não mais nos ser lícito a tudo assistirmos sem reacção, no sentido de inverter a marcha dos acontecimentos.

E foi assim que decidimos alertar a classe política na sua globalidade, quem decide aos vários níveis, nacional, regional e local, políticos e administrativos do país, para a conveniência de os recursos públicos – ao menos esses – serem usados de forma criteriosa e justa, isenta e parcimoniosa à exaustão.

É que é imperioso que os decisores políticos interiorizem essa necessidade.

É imperioso que os decisores políticos interiorizem, por exemplo, que a extinção imediata de tantos e variados institutos e outras sinecuras afins, meras duplicatas de serviços e organismos do Estado, porque criados com o putativo fim de dar colocação a “aparelhos privados” de sucessivos governos, é tarefa absolutamente necessária e impostergável.

É imperioso que os decisores políticos interiorizem, por exemplo também, que as empreitadas do Estado e das autarquias têm que seguir escrupulosamente cadernos de encargos rigorosamente elaborados, por forma a dar-se termo a uma prática insustentável, verdadeiro escândalo nacional, que conduz a que qualquer obra pública demore uma eternidade mais do que o prazo inicialmente previsto e custe duas e até três vezes mais do que o orçamento previra, com as legítimas desconfianças a que tais procedimentos dão causa.

É imperioso que os decisores políticos interiorizem, ainda por exemplo, que as empresas públicas têm que ser geridas em obediência a critérios de razoabilidade e bom aviso, pondo-se termo, a gestões ruinosas, quiçá de inominável irresponsabilidade, que as transformam em autênticos sorvedouros de recursos do país, sem que dessa sangria resultem benefícios assinaláveis para a comunidade.

É imperioso que os decisores políticos interiorizem, finalmente por exemplo, que o número de deputados à Assembleia da República é francamente ridículo, num país com a nossa dimensão espacial – e até demográfica –, pelo que se mostra inadiável, até para que sirva de testemunho de boa fé, um corte radical nesse número, fundamentado na razão, e não mais as meras “aparadelas” de simples cosmética a que se assistiu no passado.

É imperioso que os decisores políticos interiorizem, enfim, que é urgente e inadiável que a política ofereça à sociedade portuguesa um substrato moral insusceptível de ser questionado.

Estas, pois, as nossas razões, o nosso propósito. Entendemos chegado o momento de todos serem confrontados com as responsabilidades que a cada qual são atribuíveis. Em consciência, não podíamos, pois, calar.

Postas as coisas nos termos em que ficam, que reputamos de suficientemente esclarecedores, cabe referir que, a partir desta iniciativa e porque aceitamos que ela nos cria responsabilidades acrescidas, a que não queremos eximir-nos, não permitiremos que, de hoje para o futuro, em termos de cidadania, tudo continue como até aqui. Nós e milhões de outros como nós, em quem nos firmamos, na certeza de que nos acompanharão, das mais variadas formas. Custe o que custar, agrade ou desagrade aos poderes instituídos. Estaremos atentos e actuantes. Ninguém duvide.

Com a acção não procuramos notoriedade. Por essa simples razão, desde já declaramos, que, ainda que com toda a cordialidade e compreensão, declinaremos qualquer entrevista, ou peça semelhante, que nos possa vir a ser proposta. Somos simples e anónimos cidadãos comuns e como tal fazemos questão de continuar.

2005Junho17
Ruben Valle Santos

* * *

Este texto foi escrito há quase dois anos, por ocasião da criação do Movimento Cidadão Atento.

Por não ter perdido nada da sua actualidade e, pelo contrário, tudo se ter agravado de então para cá, julgo de toda a pertinência a sua republicação. Bom seria que o que nele se diz fosse ponderado pelo conjunto da sociedade portuguesa.

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