Os portugueses têm de salvar-se de si próprios, para salvarem Portugal

domingo, 6 de maio de 2007

1057. As responsabilidades do presidente da república

O presidente da república não pode ignorar tudo o que se tem passado e foi desvendado e em várias circunstâncias já indubitavelmente provado, na questão das habilitações académicas e competências profissionais do primeiro-ministro.

Não vive num mundo etéreo, completamente estanque das coisas terrenas e, ao candidatar-se, ser eleito e tomar posse do cargo que actualmente exerce, assumiu uma enorme responsabilidade – a maior de quantas a República comete a algum cidadão – que não pode enjeitar, activa o passivamente, nem os portugueses podem permitir que enjeite.

Ao candidatar-se ao cargo e, mais, ao ser eleito e empossado, após declaração de compromisso de honra constitucionalmente prevista, percorria caminho sem retorno, a menos que renuncie ao cargo.

Não optando por esta última via, a partir do momento em que livremente e no pleno uso de todas as faculdades aceitou os deveres do cargo, não mais lhe é lícito manter-se à margem de acontecimentos que lesem a integridade cívica e democrática do Estado de Direito em que a República Portuguesa se supõe erigida, pela mão de representantes seus democraticamente eleitos para todos os efeitos constitucionalmente cominados.

Se não cumprir, desprezando-o ou ignorando-o, algum desses deveres, sem os quais, aliás, o cargo não veria justificada a sua existência, estará a incumprir o mandato, o que pode constituir-se em justa causa de destituição, corridos os trâmites legais aplicáveis.

É que, mantendo uma posição passiva em situação de alto melindre em que os valores ético-republicanos do Estado são postergados, pode estar a configurar situação de cumplicidade ou encobrimento de ilícito criminal grave, circunstância intolerável, partindo da mais alta instância da República Portuguesa.

Bom é que não seja esquecido que o presidente da república tem por mandato o cumprimento de alguns deveres que, sob pretexto nenhum, pode deixar de observar estritamente. Vejamos alguns, à luz da Constituição da República Portuguesa:

Artigo 120.º

(Definição)

O Presidente da República representa a República Portuguesa, garante a independência nacional, a unidade do Estado e o regular funcionamento das instituições democráticas e é, por inerência, Comandante Supremo das Forças Armadas.

(…)

Artigo 127.º

(Posse e juramento)

(…)

3. No acto de posse o Presidente da República eleito prestará a seguinte declaração de compromisso:

Juro por minha honra desempenhar fielmente as funções em que fico investido e defender, cumprir e fazer cumprir a Constituição da República Portuguesa.

(…)

Artigo 191.º

(Responsabilidade dos membros do Governo)

1. O Primeiro-Ministro é responsável perante o Presidente da República e, no âmbito da responsabilidade política do Governo, perante a Assembleia da República.

(…)


Ora, no caso supracitado, está já provado, sem margem para qualquer dúvida, que alguém inscreveu ou talvez tenha feito inscrever inescamoteáveis falsidades em documentos oficiais do Estado Português ao mais alto nível, a começar precisamente pela Presidência da República.


Não significa isto que o primeiro-ministro seja culpado (nem aqui se cuida de saber, pois que para tal existem entidades com poderes próprios e legítimos para o determinar) em tal questão. Mas já significa, isso sim, sem qualquer hesitação, que alguém terá tido acção – ou mesmo inacção – no assunto e esse alguém poderá – hipoteticamente, claro – ser o próprio primeiro-ministro. Ora, em regime democrático, ninguém pode estar acima da lei. Apenas em regimes de legalidade ao nível da fantochada tal se verifica.


Assim sendo e porque não podem subsistir, relativamente a tal figura do Estado Português, dúvidas comportamentais de semelhante jaez, que definitivamente lançam dúvidas pesadas e legítimas quanto à honorabilidade do mesmo Estado e de titulares seus, há que proceder-se, sem delongas, a competente investigação, a fim de que se apurem responsabilidades, se as houver, onde as houver e relativamente a quem as tiver.


É que a questão não pode ser reduzida à qualidade de mera “rapaziada” a que alguém levianamente e até sem grande noção das responsabilidades se entregou, sem mais rasto do que uns dichotes inconsequentes e escritos anedóticos de parede de mictório público. Não, ela envolve o desprestígio de órgãos de soberania do Estado Português e dos respectivos titulares.


Não pode, deste modo e perante tais circunstâncias, o titular da mais alta magistratura do País assumir atitude de alheamento, como se nada se passasse ou tivesse a ver consigo e com as responsabilidades que assumiu. Adoptando-a, fatalmente que desprestigia o que é suposto prestigiar, ou seja, o Estado, a República e os cidadãos que tem por dever representar, para todos os efeitos constitucionalmente previstos.


Talvez outras razões pudessem – tivessem – que ser acrescentadas. As que aqui ficam já, chamadas à colação, porém, parecem ser bastantes para caracterizar ex abundante uma situação verdadeiramente intolerável que, por isso mesmo, não pode ser deixada subsistir por mais tempo.

...

11 comentários:

Ricardo disse...

Viva Ruvasa,

Por momentos, quando li na diagonal o texto, antes duma leitura mais atenta, pensei que estavas a defender a intervenção do PR na Madeira, naqueles pontos menores como respeitar a lei eleitoral, respeitar as leis de endividamento, respeitar as leis de incompatibilidades, respeitar a separação dos dinheiros públicos das iniciativas partidárias, respeitar a igualdade entre a imunidade parlamentar dos membros da maioria e da oposição, e fico-me por aqui, que o resto não posso provar.

Mas, afinal, anseias a actuação do PR noutro caso que, confiro gravidade, mas que está a ser tratado pela justiça e, por isso, neste momento, não deve merecer intervenção, na minha opinião, do PR. Aliás acho que Marques Mendes colocou a questão no ponto certo ao defender que é uma "falha de carácter", provavelmente um erro que Sócrates deixou arrastar no tempo e que deve ser alvo de avaliação no momento do voto. Se não aparecer mais dados, e se a investigação do MP não descobrir mais nada, dificilmente há matéria para crime e para perda de legitimidade eleitoral, uma vez que esse dado, o do título profissional, não foi critério de escolha para nenhum cargo e muito menos para o último. Mas é a minha opinião. Respeito a tua.

Abraço e cumprimentos com amizade,

H. Sousa disse...

«É que, mantendo uma posição passiva em situação de alto melindre em que os valores ético-republicanos do Estado são postergados, pode estar a configurar situação de cumplicidade ou encobrimento de ilícito criminal grave, circunstância intolerável, partindo da mais alta instância da República Portuguesa.»

Julgo importante que se saiba disto. E o PR já vai tarde, o silêncio é cúmplice.

Ruvasa disse...

Viva, Ricardo!

Já disse o que entendia acerca de Alberto João. Tanto bem como mal.

Dito isso, calei-me não voltei a falar. Nem tenciono, a menos que ele cometa alguma coisa de penalizável a nível criminal.

Agora dois esclarecimentos o primeiro com uma alínea, que julgo te deixarão sem qualquer dúvida quanto à minha posição:

1º - Eu critico o PR e todos os restantes agentes com poderes para actuar, desde que o não façam. E o que pretendo que façam é que se averigue quem é que cometeu os ilícitos criminais contra o Estado Português (crimes públicos) e, em face da averiguação, se puna(m) o(s) culpado(s)
a) Não é verdade que os factos estejam a ser investigados como, certamente por lapso, afirmas. O que se diz que está a ser investigado são meramente os "sucessos sucedidos sucessivamente sem cessar" na UnI. Ora, aquilo a que eu me refiro, nada tem que ver com a UnI. Tem, sim, que ver com falsidades em documentos oficiais do Estado (Presidência da República, Assembleia da República, Governo da República e... sabe-se lá mais onde).

E esses, Ricardo, são de averiguação apenas formal quanto à existência de ilícito criminalmente punível, pois que está mais do que provado já. E documentalmente. Basta apenas determinar quem foi o agente que inseriu ou fez inserir tais falsidades e, com isso, praticou tais crimes. Crimes graves, que não são susceptíveis de, como pareces pretender que sejam, "punir" eleitoralmente, mas antes na barra da justiça. Tão simples como isto. São crimes contra o Estado, portanto públicos e, consequentemente, que nem dependem de apresentação de queixa, uma vez que o MºPº tem que averiguá-los oficiosamente. Mas, acontece que até foram já, em Março, objecto de queixa apresentada na PGR.

2. Quanto ao caso Alberto João, no dia em que for provado ou levantado formalmente algo contra o homem, lá estarei igualmente. Mas, deixa-me lembrar-te de uma coisa curiosa, sim verdadeiramente curiosa e a título de exemplo:
No que respeita à questão eleitoral, da lei eleitoral mais precisamente, fica sabendo que a Comissão Nacional de Eleições integra 9 elementos, incluindo o respectivo presidente. Ora presta atenção:
. presidente, juiz conselheiro, nomeado pelo Conselho Superior da Magistratura;
. 1 membro nomeado pelo PS (trata-se do actual e já de há anos porta-voz, Godinho de Matos);
. 1 membro nomeado pelo PSD;
. 1 membro nomeado pelo PCP;
. 1 membro nomeado pelo CDS;
. 1 membro nomeado pelo BE;
. 1 membro nomeado pela Presidência do Conselho de Ministros;
. 1 membro nomeado pelo MAI;
. 1 membro nomeado pelo MNE.

Faz as contas.
PS, PCM, MAI, MNE - 4 (do PS)
+
PCP, BE, - 2
4 + 2 = 6
Mas, uma vez que estamos a falar da Madeira e do Alberto João, cabe referir ainda o CDS. Portanto:

4 + 2 + 1 = 7

Deixemos o presidente de fora, dando de barato, e fica um do PSD. Ou seja, 7 contra 1.

Quid juris?

Tu achas que se tivessem REALMENTE matéria para o entalar, não o fariam?

Por muito menos do que alegam conta ele, não entalaram o Marcelo Rebelo de Sousa?

;-)

Abraço

Ruben

Ruvasa disse...

Viva, Henrique!

Também acho que sim. Por isso o escrevo.

Abraço

Ruben

Ricardo disse...

Caro Ruvasa,

Eu não preciso da CNE para perceber que as campanhas na Madeira não se fazem com isenção mas já agora relembro que foi a CNE que disse, e reproduzo, que "que nestas condições o voto não é totalmente livre". A CNE, como sabes, pode dar indicações mas a real influência é nula.

Relembro um episódio. Numas autárquicas Mário Soares fez um apelo, à saída da mesa de voto, ao voto no filho. Foi, e muito bem, criticado pela CNE. Mas, mais importante, foi massacrado pela Comunicação Social. Mas nem aí há condições para haver essa pressão cívica.

Comparar este episódio com os que se passam na campanha regional é o mesmo que comparar uma gota com um oceano. Por isso falta intervenção, seja do PR seja de algum órgão isento de soberania, mas falta intervenção. Os exemplos são tantos que nem vale a pena começar (já dei alguns acima, que já considero graves) mas, mesmo durante o acto eleitoral, houve mais situações inacreditáveis como vários grupos de pessoas a utilizarem o voto acompanhado que, como sabes, permite a que uma única pessoa vote por 30 de cada vez (muitos deles transportados em autocarros de lares). Apesar dos protestos e a lei obriga a que esses votos sejam separados em caso de protesto em 6 mesas foram misturados com os outros pelos presidentes das mesas. Daqui a uns meses o CNE há-de dizer que não é assim que se faz. Pois não. Entretanto estima-se que largas centenas de votos foram através do voto acompanhado, num universo de dezenas de milhares de votos.

Com isto não quero colocar em causa a estrondosa vitória que AJJ alcançou mas é importante reflectir sobre tudo isto para garantir que estas situações não sejam norma nem que passem a ser algo "inevitável". A Democracia merece ser mais bem tratada.

Abraço,

Ruvasa disse...

Viva, Ricardo!

Aí é que estás enganado. A CNE tem poder. Tanto assim que já conseguiu a condenação de outros, tais como o próprio Marcelo Rebelo de Sousa. A CNE até encravou o Cavaco quando era primeiro-ministro. Sem razão, claro, como foi decidido, mas o que é certo é que deu imensas parangonas nos jornais, no decurso da campanha.

Poderes têm. Se não os usam...

Abraço

Ruben

O Meu Jeito de Ser disse...

Parece que a política usa o gene comum em qualquer lugar né?
Difere em muito pouca coisa a personalidade, como em filhos que temos, um levemente diferente do outro, mas a essência é a mesma em qualquer lugar do mundo.
Um abraço

Ruvasa disse...

Viva, Ana!

Sim, é isso. Mas nem só em qualquer lugar. Também em qualquer pessoa.

Uma coisa é o idealismo, enquanto não se tem o poder; outra, bem diferente, é detenção do poder, com as suas pressões, a que muitos não fogem. Ou por não conseguirem ou por não quererem.

Abraço igual

Ruben

Isabel Magalhães disse...

Caro Ruben;

Sem retirar uma vírgula às suas considerações deixo a minha reflexão/dúvida sobre o assunto.

Que outro dos ex-P.R. pós 25 de Abril de 1974 tomaria atitude diversa?
Pergunto ainda mais... que outro dos últimos candidatos a P.R. (com possibilidade de ganhar) procederia de modo diferente? :)

Um abraço.
I.

Ruvasa disse...

Viva, Isabel!

De acordo consigo. Nenhum.

Mas, tenho para mim que erros alheios não desculpam nem justificam os meus.

E mais:

Sou social-democrata desde sempre, fui seguidor de Sá Carneiro desde o início do "Expresso", em que o homem começou a ver artigos seus lá publicados e sou inscrito no PSD, desde Julho de 1978, pouco depois de ter regressado de África.

Entre 1978 e 1989, dei tudo - o que tinha e até o que não tinha, literalmente falando, ao PSD - sem nada pedir em troca. Perdi noites e noites seguidas a trabalhar para o partido. Gastei muito dinheiro meu e até contraí dívidas que, claro, tive que pagar.

Em 1989, este senhor, mais outros como o Dias Loureiro, fizeram-me a mim e a outros que, como eu, tudo davam ao partido a troco de nada - uma desfeita, que só não rotulo de patifaria por decoro. Bastará que lhe diga que, tiveram a suma lata de desfazer, depois de nos terem autorizado a negociar, um entendimento para a Câmara Municipal de Setúbal, um acordo com o PS, segundo o qual - ainda um dia o publico para que se veja a enormidade que foi (deitou para o lixo anos e anos de muito trabalho e persistência... - o presidente da Câmara era socialista e resto dos pelouros eram nossos. Nunca mais fomos nada na Câmara e o partido em Setúbal tem andado aos baldões este então...

Falo como falo, porque julgo assistir-me razão e mais ainda do que aquela que reclamo. Fui, como cabeça de lista para a Santa Casa da Misericórdia de Setúbal, o primeiro a derrotar o PC em todo o distrito, em eleições muito participadas e em que até houve bordoada séria. E passei as passas do Algarve, nos seis anos em que estive, como provedor, à frente da SCMS, tentando corrigir a desgraça que ali foi deixada por Zeca Afonso e amigos, após o assalto que lá fizeram. A Misericórdia só não foi destruída porque vencemos as eleições em 1979 e, após impugnação judicial, lá conseguimos ser empossados dois anos mais tarde. E também porque conseguimos alterar o Compromisso de tal forma que nunca mais lá voltarão.

Isto que deixo dito, serve para desabafar um pouco e para explicar que tenho partie pris contra ele. É certo que tenho. Pessoal e não só. O homem só pensa nele e nos seus interesses.

Quem foi que, em plena campanha eleitoral, espetou uma faca nas costas de Fernando Nogueira em 1995 (Nogueira que sempre o apoiou incondicionalmente) depois de se pisgar do governo, quando viu que as coisas estavam a pôr-se feias? Sei do que falo.

Quem foi (juntamente com Manuela Ferreira Leite e Marcelo Rebelo de Sousa e as suas tresloucadas e cínicas comicidades) que deu força a Sampaio para fazer o que fez e possibilitou, assim, que Sócrates fosse eleito, em detrimento de um governo liderado pelo partido em que está inscrito como militante? E porquê? Por causa dos seus interesses pessoais, uma vez que estava a caminho a eleição do presidente da república, em que estava interessado.

E, agora? Tem motivos mais do que suficientes para actuar - incumprindo os deveres do cargo em que que foi investido se o não fizer - nada faz, como se nada se passasse!...

Com que moralidade? Certamente com a que lhe advém da circunstância de, acima de quaisquer outros, lhe importarem os interesses pessoais. Os seus, claro. Dele. Apenas e tão só.

Finalmente, se exijo que aqueles que nada me são cumpram os seis deveres, mais rigoroso sou com os que - ao menos - se dizem da minha cor. Incomparavelmente mais rigoroso. E este senhor, que tanto apregoou sempre o rigor, bem necessita de rigor... em cima dele.

Abraço

Ruben

Ruvasa disse...

Viva, Isabel!

Como vê, ainda fui muito brando com ele, no post inicial.

Abraço

Ruben