Justiça
O mundo pequeno do caso Freeport
14.02.2009 - 08h11 Clara Viana
Os Governos de António Guterres funcionaram como epicentro, mas não só. De algum modo, no processo Freeport, investigadores e investigados cruzaram-se ali. Um deles teria sido escolhido para substituir Souto de Moura. Amizades? Ressentimentos? Coincidências? Um retrato de um mundo pequeno, num pequeno país.Cândida Almeida: No centro do turbilhão
Coordenadora do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP). Foi membro da comissão de honra da candidatura de Mário Soares à Presidência da República nas eleições de 2006.
O DCIAP avocou, em Setembro passado, o processo Freeport, a cargo desde 2004 do Ministério Público (MP) do Montijo e da Polícia Judiciária de Setúbal. Por altura desta transferência já a polícia inglesa tinha iniciado diligências. Em Novembro, Cândida Almeida reuniu-se com magistrados e investigadores ingleses na sede do Eurojust, em Haia. O Eurojust, criado em 2002, é um órgão da União Europeia (UE) de cooperação judiciária em matéria penal, actualmente presidido pelo português José Lopes da Mota.
Na reunião de Haia, Cândida Almeida terá tomado conhecimento do DVD, em poder dos investigadores ingleses, em que Charles Smith, sócio da empresa de consultoria Smith&Pedro, que intermediou o licenciamento do Freeport, admite alegadamente o pagamento de luvas a José Sócrates, ministro do Ambiente na altura em que a construção do outlet foi autorizada, em 2002. A responsável portuguesa recusou a proposta dos investigadores ingleses para a constituição de equipas mistas de investigação.
José Lopes da Mota: Alvo de inquérito
Procurador-geral adjunto e presidente do Eurojust desde 2007. Foi secretário de Estado da Justiça do primeiro Governo de António Guterres (1996-1999), na altura em que José Sócrates era secretário de Estado do Ambiente.
O Eurojust é um órgão da UE, composto por 27 procuradores, que trabalha com casos de natureza criminal e tem como objectivo a cooperação entre magistrados com vista a alcançar-se melhores resultados na investigação. Terá sido esta a premissa para a reunião na sede do Eurojust, em Haia, entre os investigadores portugueses e ingleses do processo Freeport. O Eurojust foi uma das entidades pelas quais passou a carta rogatória da polícia inglesa onde são pedidas informações sobre Sócrates.
Sobretudo devido ao caso Casa Pia, em 2005, depois do regresso do PS ao poder nas legislativas desse ano, a substituição de Souto de Moura no cargo de procurador-geral da República figurava entre as prioridades da direcção socialista. Lopes da Mota chegou a ser um dos nomes falados para substituir o PGR, mas na altura foram tornadas públicas suspeitas de que teria fornecido a Fátima Felgueiras uma cópia da denúncia anónima sobre o "saco azul" socialista. O inquérito aberto pelo procurador-geral Souto de Moura foi arquivado por falta de qualquer tipo de provas nesse sentido. Na década de 80, tinha sido procurador em Felgueiras.
António Santos Alves: Ex-inspector do Ambiente
Magistrado do Ministério Público, representante português no Eurojust. É referido como um dos participantes na reunião de Haia em que os investigadores ingleses levantaram suspeitas sobre José Sócrates. Era inspector-geral do Ambiente em 2002, quando a construção do Freeport foi viabilizada pelo Ministério do Ambiente, então tutelado por Sócrates. Foi este, como ministro do Ambiente, que o nomeou para o cargo de inspector-geral em Dezembro de 2000. Manteve-se até Agosto de 2002, já Durão Barroso era primeiro-ministro. Foi substituído no cargo pelo chefe de gabinete de Sócrates no Ambiente, Filipe Baptista (actual secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro).
Antes de integrar o Eurojust, em 2004, Santos Alves foi assessor da representação portuguesa em Bruxelas para a área do Ambiente, onde se reencontrou com Lopes da Mota. No início da sua carreira no Ministério Público, esteve também colocado em Felgueiras, na altura em que aquele era delegado na comarca.
Fernanda Palma: Nomeada pelo Governo
Professora catedrática da Faculdade de Direito de Lisboa, é membro do Conselho Superior do Ministério Público (CSMP). É um dos dois membros nomeados pelo Ministério da Justiça para este órgão de cúpula do MP. Foi escolhida para substituir o procurador-geral adjunto António Rodrigues Maximiano, marido de Cândida Almeida, que faleceu no ano passado. Já este mês, o CSMP solicitou a averiguação "urgente" de eventuais irregularidades na investigação do processo Freeport. É casada com o ministro da Administração Interna, Rui Pereira.
Rui Pereira: Tutela os Serviços de Informação
Ministro da Administração Interna, tutela, por delegação de competências do primeiro-ministro, o Serviço de Informações de Segurança, agora no centro de mais uma polémica devido a suspeitas levantadas por magistrados e procuradores ligados ao processo Freeport de que estariam sob escuta. A convite de Jorge Coelho, foi director do SIS entre 1997 e 2000, ano em que assumiu a pasta de secretário de Estado da Administração Interna.
Em 2005, era membro do CSMP, foi um dos "escutados" no âmbito do caso Portucale. As escutas foram autorizadas pelo juiz titular do processo, Carlos Alexandre, que tutela também agora o processo Freeport. Rui Pereira foi "apanhado" a falar com o seu "irmão" da maçonaria Abel Pinheiro, antigo responsável pelas finanças do CDS, acusado de tráfico de influências. Nas conversas, divulgadas pelo semanário Sol, daria conta a Abel Pinheiro de que tinha sido convidado por Sócrates para substituir Souto de Moura. Este só saiu no final do mandato, um ano depois. Para o seu lugar foi designado Pinto Monteiro.
Júlio Pereira: O homem das informações
Procurador-geral adjunto, secretário-geral do Serviço de Informações da República Portuguesa desde 2005, por nomeação de José Sócrates. Coordena o Serviço de Informações e Segurança (SIS) e os Serviços de Informações Estratégicas de Defesa (SIED). Rui Pereira escolheu-o para seu adjunto quando dirigiu o SIS entre 1997 e 2000.
Carlos Alexandre: O superjuiz
Juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal, passou a ser titular do caso Freeport desde que o inquérito foi avocado pelo DCIAP, em Setembro passado. Foi ele que presidiu pessoalmente às buscas desencadeadas no mês passado. É o homem dos grandes processos: BPN, operação Furacão (fraude fiscal), caso Portucale (processo de tráfico de influências que levou à viabilização, nos últimos dias do Governo de Santana Lopes, de um empreendimento turístico do BES numa zona de montado, protegida por lei).
Foi-lhe garantida segurança pessoal em 2007 depois de um assalto a sua casa, mas, em Novembro passado, foram tornadas públicas notícias de que esta lhe iria ser retirada. A PSP negou. Carlos Alexandre, que autorizou e conhece o teor das escutas telefónicas relacionadas com a operação Furacão e caso Portucale (o ministro Rui Pereira foi um dos "apanhados"), é um dos magistrados ligados ao Freeport que terá manifestado suspeitas sobre a possibilidade de também estar sob escuta.
Público
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