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quarta-feira, 1 de julho de 2009

2397. Vasco Graça Moura opina

O desprezo pela criatura

por Vasco Graça Moura

O primeiro-ministro garantiu no Parlamento, por um lado, que nem de perto nem de longe tinha ouvido falar do projectado negócio entre a PT e a Media Capital, e, por outro, que achava que o Governo não tinha nada que interferir num negócio entre duas empresas privadas.

Para quem porventura ainda duvidasse, estas declarações foram mais uma prova clamorosa da extraordinária incompetência e da irresponsabilidade sem remédio do chefe do Governo.

Por mim, não me admirei muito. De há muito que sustento ser este primeiro-ministro tão incompetente quanto irresponsável e por isso não caí propriamente das nuvens ao vê-lo na Assembleia da República, a proferir com a maior das latas umas enormidades de tal jaez, sobre um negócio em que um dos parceiros era uma empresa em que o Estado tem uma golden share. E uma empresa que é de importância estratégica nacional, ainda por cima.

Mas entretanto toda a gente percebeu ser impensável que o primeiro-ministro ignorasse o que se passava. Vimos Sócrates, Lino e Zeinal Bava meterem os pés pelas mãos. O significado da golden share e a importância da PT, mais as tergiversações e as descoincidências entre o que dizia o primeiro, o que engrolava o segundo e o que tartamudeava o terceiro, indiciavam desde logo que não podia ser assim.

Segundo o Expresso, o Governo esta- va mesmo ao corrente do projecto de negociação há mais de seis meses, o que faz todo o sentido. Ou seja, trocando as coisas por miúdos, o Expresso coloca de pleno a questão de a pantomina no Parlamento não ter sido mais do que uma aldrabice trapalhona do primeiro-ministro.

E sendo conhecidos tanto o afecto de Sócrates pela TVI, como os consabidos compadrios políticos entre o PS e o PSOE e as relações notoriamente equívocas entre o PSOE e a Prisa, tudo conjugado leva a não se acreditar que Sócrates tivesse sido apanhado de surpresa e nada soubesse sobre o assunto. E isto não só suscita uma nova evidência sobre a triste figura que ele fez, como lança mais do que fundadas dúvidas sobre a sua honestidade intelectual e política.

Depois, acontece que, no contexto do negócio desenhado e face à opinião pública, a justificação do "veto" governamental só podia ter sido uma: o objectivo de assegurar o pluralismo e o respeito do princípio da não ingerência directa ou indirecta do Estado num órgão de comunicação social (tal como o mesmo José Sócrates garantia há cinco anos com artísticas franzidelas de sobrolho).

Mas afinal viu-se no dia seguinte um Sócrates de visagens circunspectas e a modos que embatucado, corroborando lugubremente a sua incompetência, a dizer que usaria o veto da golden share como se fosse uma espécie de benzina preventiva para tirar nódoas da sua própria imagem… enquanto o novo porta-voz do Governo intervinha quanto a estas e algumas outras trapalhadas, arvorando um risinho esparvoado para dizer umas patetices inócuas.

Com este caso abjecto, mais o das partes-gagas entre Sócrates e o ministro da Agricultura, um a dizer lá dentro e outro a dizer cá fora mais umas trapalhices descoordenadas quanto à demissão do quinto arguido no caso Freeport, e ainda o da fundação fantasma que serve para a compra dos computadores Magalhães sem concurso público, sob a férula de Lino, para propaganda eleitoral do PS e com dinheiros que tudo leva a crer sejam do Estado, José Sócrates e tutti quanti estão cada vez mais desacreditados.

Estou em crer que Medina Carreira, quando na passada sexta-feira disse a Mário Crespo do nojo que certas coisas lhe metiam e usou com ácida indignação o termo "trafulhas", não se estava a referir propriamente a traficâncias em casas de alterne. O tópico fornece uma proposta de hermenêutica laboriosa para os Estados Gerais do PS.

Entretanto, o Presidente da República deu a Sócrates o mais violento puxão de orelhas que ele recebeu até hoje. Só se compreende que o tenha feito nos termos em que o fez por ter sido alertado para a turva promiscuidade dos objectivos subjacentes e para a iminência escandalosa da conclusão do negócio.

De resto, ainda bem que o fez nos termos em que o fez: não podendo já pôr Sócrates no olho da rua por força da Constituição, só lhe restava exprimir o maior desprezo pela criatura.

DN 2009.07.01

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Aqui, decidi não comentar. Para quê? Graça Moura disse tudo.

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