Os portugueses têm de salvar-se de si próprios, para salvarem Portugal

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

2963. The astonished norwegians

Tenho duas histórias, ambas reais, para contar, que ilustram bem a conjuntura actual, mais propriamente em Lisboa, mas que bem pode ser extensiva ao País.

Uma das histórias, passou-se comigo e é agradável, pelo reconhecimento de gente insu
speita, vinda lá de fora e que não conhecia Portugal;

A outra é algo a que vamos estando já habituados, infelizmente já muito habituados.


Começo pela agradável:


* * *

Na tarde de sábado passado resolvemos – os dois membros da família, que ainda vivem cá em casa – ir até Lisboa, como acontece com frequência por lá viverem filhos e netos, mas desta vez de forma diferente e com destino diverso. Tratava-se de ir dar um giro no Terreiro do Paço e ver a qualidade das esplanadas ali agora instaladas e do respectivo serviço.

Deixámos o carro no cais do Seixalinho, ali ao Montijo e atravessámos o “mar da palha” no barco até Sul e Sueste, ao lado do nosso destino. A viagem foi de curta duração e agradável, mas, aqui que ninguém nos ouve, nada comparável aos estupendos cinquenta minutos que demoravam a fazê-la os barcos antigos, quando se viajava no tombadilho, pela alta tardinha de Verão. Podia-se, então, apreciar com todo o vagar, diria mesmo languidez, a silhueta da Ponte sobre o Tejo, a primeira, recortada no pôr-do-sol, mas sempre com atenção ao voo das gaivotas que, por vezes, pareciam autênticos bombardeiros largando as suas cargas sobre os mais aventureiros e descuidados viajantes.


Lá chegámos à mais espectacular Praça da Europa – que durante dezenas e dezenas de anos foi miserável e criminosamente descuidada, até que um dos presidentes da autarquia que mais ideias teve para a cidade e mais “torpedeado” foi precisamente por aqueles que depois lhe aproveitaram os planos, deles se apresentando como autores… – tomámos assento numa das esplanadas, dessedentámo-nos e refizemos forças, após o que ficámos a apreciar os “surroundings”.


Nisto estávamos quando fomos interpelados por um casal de uns 40 e tal 50 anos, altos como ciprestes e de um loiro flamejante, que entretanto haviam chegado vindos da Rua Augusta e se sentaram numa mesa ao lado da nossa.


A interpelação foi no sentido de que a “nossa” Lisboa era uma cidade muito bonita e extremamente agradável. Sorrimos, agradecemos e lá ficámos a trocar umas impressões...


Noruegueses de Bergen, a cidadezinha dos quase trezentos dias anuais com chuva, resolveram, depois de durante anos, nas férias, terem corrido mundo, vir até Lisboa, cidade de que tinham ouvido falar bem numa viagem a Barcelona, em Setembro do ano passado.


Tendo sabido que as coisas aqui se processavam com facilidade, que a cidade era acolhedora e os portugueses pessoas muito prestáveis, prescindiram de integrar qualquer grupo excursionista e meteram-se a caminho, tendo chegado à Portela onde apanharam um táxi para os levar ao “Four Seasons”, que acharam demasiado distante do aeroporto, uma vez que o táxi demorou mais de meia hora a lá chegar, por ruas e avenidas e avenidas e ruas… (aqui, nós sorrimos, mas achámos melhor não estragar a festa e dissemos que, pois... sim.,.. não é muito perto, não!…).


Estavam há cerca uns cinco dias em Portugal e tinham já visitado Cascais, Sintra, Mafra, enfim o circuito habitual. Não tinham vindo a Setúbal, o que era uma pena, pois que lhes dissemos que tinha uma das 7 baías mais belas do mundo, bordejada por uma serra, a Arrábida (ou “local de oração”), com vegetação da era jurássica e vistas assombrosas sobre a baía e a margem sul do Sado, com praias ininterruptas até cerca de 100 quilómetros. Claro que não nos alongámos muito porque a Aleksandra e o Rasmus são da região dos fiordes…


Naquele momento estavam ali porque tinham saído a pé do “Four Seasons” (Ritz) e tinham subido ao alto do Parque Eduardo VII. Uma vez ali, olharam para baixo e ficaram positivamente siderados (“astonished”, asseguraram) com aquela vista deslumbrante até ao Tejo, que nunca tinham encontrado em cidade nenhuma das que haviam já visitado por todo mundo. De tal modo que não resistiram e quiseram ver de perto tudo aquilo. Meteram-se a calcorrear a calçada portuguesa em passeio pelo Parque abaixo, contornaram a “beautiful square”, desceram a Avenida da Liberdade, passaram pela Peter, the fourth, square, continuaram pela August Street e só pararam na esplanada.


- We’re truly astonished! Amazing, indeed! – não se escusaram a afirmar-se


Continuámos a conversar – diga-se em abono da verdade que nós já pouco concentrados, porque envaidecidos como sempre ficamos quando as gentes lá de fora reconhecem o que de bom temos e poucos de nós apreciam e valorizam… – e, subitamente, lembrei-me de ser um pouco mais incisivo no realce das nossas qualidades e perguntei:


- Vocês estão cá há cinco dias, não é verdade?

- Sim, e ficámos encantados com Sintra, Cascais, o Guincho, tudo, enfim. Mas este passeio lá de cima até aqui deixou-nos estupefactos! Vocês são muito happy por terem estas maravilhas.

E foi então, que eu rematei a minha:


– E, nestes cinco dias e em todos os passeios, quantos polícias viram nas ruas?

– How many what?! Policeman? Hum… Let’s see… Talvez uns… quatro… cinco. Não mais do que isso.
– Pois é… E alguma vez se sentiram inseguros?
– Ah! – olharam-se surpreendidos – não, nunca nos sentimos inseguros. Andámos sempre à vontade. Até já tínhamos falado no assunto. Como é possível?
– Pois, my friends, é assim. Só nos servimos dos polícias para restabelecer a ordem… Got it?

A resposta deles foi uma imensa gargalhada e muitos “oh, I see!” que pôs os restantes frequentadores da esplanada em risco de apanharem um torcicolo, na tentativa de verem, eles também, o que se passava.

24 Agosto 2012
* * *

Um dia destes vem a outra história, a menos agradável. Tem que ver com a enorme vontade de trabalhar que há por aí.

Sem comentários: