(continuação do post 830)
O planeamento dos Caminhos de Ferro
A história do planeamento dos Caminhos de Ferro portugueses na última década é, basicamente, a história de três batalhas, ou talvez quatro, em que duas foram ganhas e outras estão em curso.
Em 1998, ou 99, o então ministro, Jorge Coelho, criou um organismo, a RAVE, para estudar a futura rede portuguesa de comboios de alta velocidade (vulgo TGV). Foi algo feito com antecedência, o que é raro. A RAVE, presidida pelo Dr. Manuel Moura, elaborou um projecto que foi posto em discussão, como estava previsto desde o início, por despacho do ministro Ferro Rodrigues, que entretanto substituíra Jorge Coelho.
Neste projecto, que ficou a ser conhecido pelo projecto do "pi" deitado, foi previsto que haveria uma linha Norte/Sul, da fronteira do Minho ao Algarve e duas linhas transversais de ligação a Espanha, uma de Aveiro a Vilar Formoso e outra de Lisboa a Badajoz. A linha Norte/Sul passaria na Ota, por exigência imposta pelo governo desde o início. Este projecto que, foi apresentado e discutido diante de técnicos em todas as Comissões de Coordenação Regional, foi vítima, na Comunicação Social, de violentos ataques, com argumentos ao nível da indigência que o bloquearam durante dois ou três anos.
Foi dito, por exemplo, que para poupar dinheiro devia haver, em vez das duas ligações transversais a Espanha, uma só, no centro do país, ou seja, mais ou menos da Ota a Cáceres. Surgiu assim o projecto do "T" deitado, sem nenhum estudo de engenharia, em que se faria passar uma linha sobre uma das regiões mais acidentadas do país e que nunca passou de alguns riscos sobre o papel.
A batalha do "T" deitado contra o "pi" deitado, que fez o país perder a oportunidade de oiro para ter créditos da CE, só terminou nas vésperas da Cimeira Ibérica de 2003, quando o Engenheiro Carmona Rodrigues, ministro das Obras Públicas por um curto período, viu com um bom senso de engenheiro que o projecto do "T" deitado era um verdadeiro disparate.
O projecto do Dr. Manuel Moura, bloqueado durante um período em Portugal, teve, no entanto, influência em Espanha.
A primeira linha de bitola europeia em Espanha tinha sido a linha de alta velocidade de Madrid a Sevilha. O governo espanhol planeou, em seguida, construir mais linhas de bitola europeia, não unicamente para a alta velocidade, mas também para comboios de baixa velocidade, destinadas, sobretudo, a permitir o trânsito de mercadorias de França para os portos espanhóis do Mediterrâneo. Mas estas linhas eram caras. Planeou, então, construir as novas linhas de bitola europeia só do lado Leste da Península, continuando a Galiza, a Estremadura, a região de Salamanca, e naturalmente também Portugal, com bitola ibérica.
Utilizando uma tecnologia desenvolvida em Espanha, propôs-se construir perto de Medina del Campo uma estação com intercambiadores, para os comboios vindos de Madrid mudarem o afastamento das rodas quando seguissem para Oeste e para Norte. Contra este projecto, que as votava ao subdesenvolvimento e isolamento ferroviário, protestaram as regiões vizinhas de Portugal, exigindo ligação ao projecto português da RAVE, conseguindo assim linhas de bitola europeia para todo o território espanhol.
Nem sempre estamos em atraso. Sucede, porém, que depois de ganha a batalha dos intercambiadores em Espanha, ela começou em Portugal, com o projecto, quase delirante, de uma linha de Lisboa ao Porto, com uns troços de bitola ibérica e outros de bitola europeia, ligados em duas ou três estações com intercambiadores. Esta linha só veio a ser definitivamente posta de lado pelo actual governo socialista. Foi uma vitória, mas que levou tempo.
Em oposição ao governo anterior defensor da linha com intercambiadores, o actual governo socialista defende uma linha TGV toda em bitola europeia de Lisboa ao Porto, mas entendeu dar-lhe prioridade. Esta linha será um dia construída, mas o dar-lhe prioridade, agora, adia para calendas gregas a linha de Aveiro a Vilar Formoso, fundamental para todo o Norte e Centro do país, e em que os espanhóis então muito interessados. Nas vésperas da recente Cimeira Ibérica, José Sócrates percebeu que Portugal tinha, também, de dar prioridade à linha de Lisboa a Madrid por Badajoz. O comunicado conjunto dos dois países falou, assim, desta linha e a linha de ligação à Galiza, mas foi omisso sobre a linha de Lisboa ao Porto. O problema, que esteve debaixo da mesa. Ficou para a Cimeira de 2007.
Um outro problema é o da travessia do Tejo e da entrada dos TGV em Lisboa. Os estudos técnicos necessários para se avaliar a viabilidade e custos das diferentes hipóteses ainda não foram feitos. A proposta apresentada no documento: "Orientações estratégicas para o Sector ferroviário", que MOPTC divulgou em 28 de Outubro (e pode ser visto no site: www.moptc.pt ) não parece realista.
Até 2005, o Ministério e defendeu a construção de uma ponte para o Barreiro destinada aos comboios para Badajoz, para o Algarve, para o Porto e para a Ota. Depois, a partir de 2006, considerou que teria de haver uma segunda entrada a Norte de Lisboa, para os comboios para o Porto e para a Ota. Ora, uma linha que chegue perto da Ota pode, com custos diminutos, atravessar o Tejo e seguir para Badajoz. Desaparece, assim, a principal justificação para a ponte para o Barreiro. Não parece que país possa suportar, em simultâneo, estes dois investimentos em Lisboa, e que acabam por servir mal a cidade.
No dia 6 de Março, a Secretária de Estado Ana Vitorino vai falar na Sociedade de Geografia sobre a ponte do Barreiro. É uma boa ocasião para ouvirmos falar um governante sobre estes assuntos.
(continua no post 832 com De novo a Ota e a ligação ao Caminho de Ferro)
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