Os portugueses têm de salvar-se de si próprios, para salvarem Portugal

domingo, 11 de fevereiro de 2007

873. 11 Fevereiro 2007 - dia negro para os Portugueses


A minha amiga Sulista tem razão quando, no seu blog afirma que o povo é soberano e que a maioria não quis assumir a responsabilidade pela liberalização do aborto.

Na verdade, na sua esmagadora maioria 56,5%* do universo eleitoral (os abstencionistas) mais a percentagem de 41%* dos votantes no Não dá um número elevadíssimo de quem não quis ligar o seu nome a uma tal ignomínia.

Não obstante isso, estou com Matilde Sousa Franco que, na Sic, acaba de dizer que está triste porque, este resultado significa um recuo civilizacional do nosso país.

Efectivamente, assiste toda a razão a Matilde Sousa Franco, porque o que vai ficar para a História é que Portugal e os Portugueses entraram hoje no combóio da regressão civilizacional. E, em termos de direitos, liberdades e garantias individuais, precisamente relativamente ao direito individual mais importante - e que por isso mesmo deveria ser o mais acarinhado - de quantos o ser humano pode reclamar para si, ou seja o direito de nascer, o direito de ter uma vida, assim acontece.

Trata-se da página mais negra da nossa História comum, em termos civilizacionais. Nós, que fomos pioneiros na abolição da pena de morte!

O estar individualmente liberto desse labéu - porque não foi essa a minha opção e contra ela combati - não me deixa mais sossegado do que nesse mesmo âmbito, o individual. Mas eu não sou um indivíduo isolado. Vivo numa comunidade e, no que que concerne à minha integração nessa comunidade que é o povo português que se diz - e tem sido até hoje - humanista, sinto-me mortalmente atingido.

Não importa o que o ministro da justiça, uma vez mais alegre e alvarmente faltando à verdade e sabendo que o faz, declarou, também, há pouco, na RTP, ou seja, que estamos no combóio da civilização, tal como a grande maioria dos países mais avançados do mundo, o que é redondamente falso e ele sabe que o é - para confirmar, basta ir confrontar os dados oficiais e sérios de cerca de 200 países que circulam aí pela Web, por exemplo, aqui, no blog do meu amigo Azurara, que linka para os dados oficiais da ONU.

O que importa, isso sim, é a realidade. E a realidade é que hoje uma parcela do povo português, que não foi integralmente maioritária, mas que é formalmente democrática - embora aqui a democracia formal não esteja necessariamente umbilicada com a razão, como não está - optou por dar força a quem já era o mais forte, a mulher grávida, ao mesmo tempo que a tirava a quem já pouca a tinha e agora menos ainda terá, ou seja, o filho que aquela traz no ventre. Ele tem consigo a Razão, mas de que lhe serve se lhe extorquiram a Força?

Este 11 de Fevereiro de 2007 é, pois, um dia para não mais esquecer. O dia mais triste e mais negro que Portugal já teve, que os Portugueses já sofreram e que a sua História de país quase milenar e até aqui sempre humanista já registou.

Haverá muita gente que disso não se aperceberá agora e será mesmo levada a entender que o que me faz escrever estas linhas é um sentimento de frustração pela derrota.

Entender nesses termos, porém, é lavrar em erro grosseiro. Como já tive oportunidade de dizer, este assunto nada tem que vem com meros perdas e ganhos eleitorais, porque não se trata de uma questão comum, de lana caprina, como tantas vezes é a eleição de um governo, por exemplo.

Este assunto é - apenas e só - a equação mais difícil e importante que ao ser humano algum dia pôde se apresentado, para que resolvesse. Trata-se da sua própria dignidade enquanto ser humano e do reconhecimento ou, pelo contrário, da negação da vida a seres que a si são semelhantes, portanto com iguais direitos, que não lhes podem ser negados.

Por isso estou triste, imensamente triste. Triste por mim, triste por Portugal, triste, muito triste pelos Portugueses. Jamais me passou pela mente admitir que um dia em Portugal, este povo, uma parcela dele, ainda que conjunturalmente, se colocasse numa situação tão pouco humanista e, até mesmo, humanitária.

Quem não perceber isto agora, que deixe passar algum tempo e talvez o venha a entender mais depressa do que imagina. De qualquer modo, será tarde. É a história da pedra que alguém atira. Uma vez lançada, é facto irremediável.

A minha tristeza é profunda, muito profunda, creiam. E a vergonha não é menor.
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* Números provisórios, uma vez que estou a escrever antes do encerramento do escrutínio
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