Os portugueses têm de salvar-se de si próprios, para salvarem Portugal

terça-feira, 20 de fevereiro de 2007

892. A "leitura não evidente" do ministério da justiça

Esta só mesmo de terça-feira de Carnaval!

Mas não é para rir. Pelo contrário, é para chorar.

Se digo que é de terça-feira de Carnaval é apenas porque se trata de uma autêntica… ai, caramba!, não me recordo da palavra. Quando do governo Santana Lopes, falava-se em “trapalhada”, mas não é essa palavra, não. Ah! Qual é ela, qual é?... E não me recordo, hein?! Esta memória, ai esta memória!...

Bem, adiante!

Como é do conhecimento de toda a gente – mesmo dos mais “ausentes” destas coisas, que os há sempre, e até esquecidos – aqui há tempos, o presidente da república indultou um fulano que fora anteriormente condenado a pena de prisão e que se pusera ao fresco, sem cumprir um dia sequer da pena, existindo até pendentes, mandados de captura, ao que diz de cariz internacional.

Toda a gente entrou em delírio e com razão. O que aconteceu é um escândalo e só foi possível pela cultura de laxismo e incompetência que de há muito vigora em Portugal, mas que tem vindo a agravar-se de forma assustadora nos últimos tempos.

Pois bem, foi decidido que se iria apurar os factos e atribuir-se as responsabilidades inerentes. Comme d’habitude, évidemment. Já se sabe bem do que a “casa” gasta…

Então não é que o ministério da justiça, portanto, o ministro da justiça, de sua graça (nem de propósito, hein?) Alberto Costa, apareceu agora justificar o sucedido com um argumento de truz?

E qual foi ele, qual foi?!?! Pois bem, prepare-se:

Tudo se ficou a dever a um documento que instruiu o processo de concessão do indulto que (sente-se, segure-se…), “não era de leitura evidente”!!!

Hã! É capaz de repetir, ó sôr ministro?! O que é que isto quer dizer? Que o tal documento estava:

- mal escrito?
- redigido em chinês antigo?
- de pernas para o ar?
- com o texto de costas?


O quê, santo Deus?! “Não era de leitura evidente”?! Esta não lembraria a ninguém. Mas o que é que será de leitura evidente? E de leitura não evidente?

Mas, acresce que o ministro, através do ministério, nem se deu ao trabalho de esclarecer para quem é que o documento “não era de leitura evidente”. Limitou-se a acrescentar que a responsabilidade não cabe ao presidente da república. Também era o que faltava que a responsabilidade fosse do homem de Belém! Esse tem responsabilidades, sim, mas serão de outra índole.

Sabendo-se de quem não é a responsabilidade, é de toda a conveniência saber-se de quem é. Ou não?! Sim, é absolutamente indispensável que se saiba a quem se fica a dever tanta incompetência e laxismo. Ou, mesmo, quem ou que entidade é incapaz de interpretar de forma correcta e adequada o que lê. Dito de outra forma: quem ou que entidade sofre de grave iliteracia, isto é, lê mas não compreende, não assimila o que lê.

E quem será esse alguém ou essa entidade?


* Os serviços judiciais?
* Os serviços do ministério?
* Os serviços da presidência da república?
* O ministro ele mesmo?
* O vendedor de castanhas assadas à porta do ministério?
* O atracador dos cacilheiros?

Quem, afinal, gente de Deus? Quem?! Quem ou o quê, meus senhores, sofre desse tormentoso problema de iliteracia?

Para quem não se arrepiou até agora e esse "não-arrepio" se ficou a dever à circunstância de ignorar como se passam estas coisas até ao indulto e pense que se trata de processo extraordinariamente complicado, deixe-me que explique, ainda que de forma sucinta, para que melhor possa apreciar o caso:

Um indivíduo é julgado por determinado crime e condenado a uma pena de prisão que tem que cumprir mesmo. Como está ausente em parte incerta não pode ser preso, pelo que o tribunal emite e distribui mandados de captura, para que o homem seja preso e vá cumprir a pena em que foi condenado.

Todos estes factos, acusação, transformada em pronúncia, julgamento, condenação, declaração de que está ausente em parte incerta, emissão de mandados de captura, etc, e respectivas datas, tribunal, juízo e secção em que tudo se passou, ficam a constar do seu cadastro, no registo criminal.

Tudo bem até aqui? Ora muito bem. Também não é difícil. Tal como o que vem a seguir.

E o que vem a seguir é isto:

Chegada a hora de se conceder indultos, organiza-se o respectivo processo e faz-se a lista dos presos (leu bem, sim senhor, PRESOS, não dos que estão em liberdade…) que estarão em condições – pelo comportamento que têm tido na prisão, etc. – de receber a benesse do indulto, indulto esse que pode ser o perdão do cumprimento de toda a pena restante ou apenas de parte dela.

A esse processo junta-se um documento indispensável, para se saber se o homem não andou a cometer outras patifarias: trata-se do certificado do registo criminal. Sim, aquele que referi lá em cima e de que constam, eu repito, eu repito:

- acusação, transformada em pronúncia,
- julgamento,
- condenação,
- declaração de que se encontra em parte incerta,
- nota de que existem mandados de captura emitidos e expedidos

bem como
- as datas de todos aqueles eventos,
- o tribunal,
- o juízo
- e a secção em que tudo se passou

para além da completa
- identificação do sujeito, com alcunhas incluídas.

Ou seja, está lá toda história do homem.


Feita a apreciação de todo o processo pelos serviços (in)competentes, o mesmo processo é, com o parecer respectivo, entregue no MJ, onde os respectivos serviços o escalpelizam (deveriam escalpelizar, melhor dito) e o entregam ao ministro que, por sua vez, após nova verificação, o apresenta pessoalmente ao presidente da república, para que conceda o indulto que ele, ministro, lhe vem propor. É claro que este, no fim de tudo, depois de tantas verificações e reverificações, não vai, por sua vez, esmiuçar tudo. Nem lhe cabe a ele tal papel. Era o que mais faltava! Há que ter confiança no governo, nos serviços, no ministro, caramba!

Pressupõe, evidentemente, que, estando onde estão, todos cumpram os seus deveres, com escrúpulo e pundonor. Até porque é para isso que são pagos. Como é que é, pois, concebível que, somente depois da "barracada" é que, tendo procedido a averiguações, como sempre "exaustivas", o ministro da justiça, através do ministério que tutela, conclui pela caricata "não evidente leitura" de um documentito?

Ora muito bem: de todos os dados que acima elenquei, quais os que, no entendimento do ministério da justiça, portanto do ministro da justiça, “não serão de leitura evidente”?

* o nome do condenado?
* de que era acusado?
* em que pena foi condenado?
* em que tribunal, juízo ou secção?
* que está ausente em parte incerta?
* que há mandados de captura emitidos contra ele?
* quando é que tudo teria acontecido?
* qual a filiação do homem?
* qual a naturalidade do dito?

* quais os sinais particulares que se lhe notam?

O quê, santo Deus!, o que é que "não é de leitura evidente"?

Quem é que se imagina a viver tal história? E quem é que anda a “chuchar” com o pagode? Isto, senhores, acontece num processo de uma simplicidade notável. E que acontecerá na maioria deles, que são muito mais complicados? Imagina-se, não?!

Só em quadra de Carnaval esta justificação poderia ter aparecido, não acha? Ou será que não. Será que poderia aparecer em qualquer outra quadra, com este ministro e com estes serviços? Valha-nos São Judas Tadeu, padroeiro dos aflitos!... Talvez nem esse consiga. É que nós já nem estamos aflitos. Estamos, sim, à rasquinha!... E, para gente nas nossas circunstâncias, já não haverá santo que valha.

E cá vamos, cantando e rindo, levados, levados sim…


Ridículo! Desconsolador mesmo. Não é mesmo uma tristeza?

12 comentários:

Ricardo disse...

Viva Ruvasa,

Este caso é realmente anedótico, mesmo absurdo. É de ficarmos com os cabelos em pé perante a ligeireza com que os casos são tratados.

Já tinha comentado este caso, de forma breve, no início do mês e vejo que a "novela" promete continuar.

http://filhodo25deabril.blogspot.com/2007/02/987-indulto-foragido.html

Abraço,

Ruvasa disse...

Viva, Ricardo!

Na verdade, só se compreende à luz da quadra que decorrria.

Abraço

Ruben

Orlando Braga disse...

Bom...quando o governo dá sérios indícios de analfabetismo, temos uma ideia do estado deste país...

Ruvasa disse...

Viva, Orlando!

;-) :-(

Abraço

Ruben

carneiro disse...

1. O atracador dos cacilheiros não foi de certeza. É que este quando falha profissionalmente arrisca-se a morrer ou a matar alguém. Por isso é um profissional cuidadoso e competente. Pratica aquele cada vez mais remoto conceito chamado responsabilidade profissional.

2."não era de leitura evidente" significa que ninguém leu e passou à frente partindo do princípio de que se fosse importante já alguem, antes, teria dado por isso.

3. A explicação mais provável tem a ver com o funcionamento de um qualquer gabinete - porventura o do próprio ministro. Está enxameado de jovens boys do partido, obviamente mal preparados tecnicamente. Por vezes recem-licenciados que ali caem vindos directamente das Jotas. A matéria passa obrigatoriamente pelo ministro, pois muitos dos indultos são movidos pela "caridade" e pela cunha partidárias que o advogado do respectivo consegue meter ao ministro. Mas isso é só para alguns. Por seu lado, a casa civil do PR também costuma juntar uns protegidos do partido do presidente à lista. Os demais beneficiários são produto do especial empenhamento dos psicologos e educadores prisionais.

4. A "leitura não óbvia" significa que foi um jovem boy que deu barraca, mas que não pode ser atirado às feras, pois deve ter as costas quentes.

Ruvasa disse...

Viva, Carneiro!

Claro que é isso. Nõ pode ser mesmo outra coisa. O ministro certamente que não é destituído de inteligência a ponto de cair ele próprio e fazer cair o ministério e mesmo o presidente numa esparrela dessas e, em seguida, para mandar emitir uma nota tão abstrusa.

Viu-se forçado a isso, pois que noblèsse oblige.

No entanto, como esta ópera buffa ainda não está terminada, sempre estou curioso de saber o que é que S.Exª vai dizer na comissão parlamentar a que vai comparecer um dia destes, para o efeito.

Já agora... como diria o insigne... Almeida Santos.

Abraço

Ruben

Anónimo disse...

E já agora, como tristezas ná pagam dividas, eles recebem tds 'muita' bem... ;-)

Beijinho

Ruvasa disse...

Viva, Maria João!

Desculpa, mas discordo.
Para se conseguir fazer "coisas" destas nãoé qualquer um. Tem que se ter jeito. Ora, o "jeito" paga-se e bem. Portanto,mesmo que ganhem "muita" bem, certamente que não ganham o suficiente.

Tás a topar, não tás?

Beijinho

Ruben

Ruvasa disse...

Amigo Ruben

Cá voltamos às trapalhadas que levaram o Dr. Jorge Sampaio a fazer um favor ao PS. Que pena não estar ainda na PR, pois de certeza (?) com tantas trapalhadas e "aldrabices", já não eram governo.

AAlves

Ruvasa disse...

Viva, Alves!

Bem, a isto não chamaria eu trapalhada. Estávamos em terça-feira de Carnaval...

Abraço

Ruben

Pedro Sérgio disse...

Olá, Ruben,

Não sei se estou enganado, mas parece que este carnaval nunca terá fim.Digo uma coisa, nos ultimos Natais, tenho ido ao Circo com as minhas filhotas para ver as palhaçadas, que pouco aprecio, agora circo deste tipo com este artistas, penso que são melhores. Devem fazer um bom numero!!!

Conheces aquele frase portuguesa: "Palmas para quê?? Se o artista é Português!!!"

Um Abraço

Pedro Sérgio (Palmela)

Ruvasa disse...

Viva!

Pois... pois...

Abraço

Ruben