Os portugueses têm de salvar-se de si próprios, para salvarem Portugal

sábado, 21 de fevereiro de 2009

1978. Sócrates e os sucessivos casos

O número inusitado de casos referenciados com gravíssimas suspeitas de corrupção, sob as mais variadas formas, em que o actual primeiro-ministro aparece claramente referido, é de tal modo largo que José Sócrates não pode ficar sem nada de útil fazer em sua defesa.

Na verdade, limitar-se a aguardar que outrem, neste caso a Justiça, faça por ele o que por ele tem de ser feito, ou seja, a demonstração iniludível, de que tudo não passa de, como já afirmou, "campanha negra" para o prejudicar, é postura pouco condizente com o que seria lícito esperar-se de qualquer pessoa na sua situação e com as suas condicionantes e responsabilidades.

Nem sequer lhe vai bem a posição de ente superior a tudo e todos, muito ofendido com patifarias que lhe estão a ser feitas, mas suficientemente superior para com elas não perder democrático tempo. E pior, se é possível, lhe fica o ar de desprezo com que fita qualquer jornalista que tenha o "desplante" de o questionar sobre os casos.

Ademais, tendo alegado a existência da tal "campanha negra" para o prejudicar, cabe-lhe provar que ela existe. E mais: que mencione claramente quais entende que são os seus autores. É que uma tal afirmação, proferida por um qualquer cidadão de lana caprina à mesa de um café, tem um determinado valor que, todavia, não se contém em qualquer grau de equivalência à que seja feita por um primeiro-ministro em funções e perante a Comunicação Social, com a país a assistir, atónito. A cada protagonista e a cada situação o seu patamar. Sem confusões.

E nem se diga que se trata esta exigência de qualquer tipo de inversão do ónus da prova. Não somente porque, como é sabido, de forma geral ele é da responsabilidade de quem alega, como, no caso particular do primeiro-ministro, os eventos trazidos ao conhecimento público são em tal número, de tal monta e com tais pormenores - alguns mesmo trazidos à colação, provindas de entidades oficiais, portuguesas ou estrangeiras - que qualquer simples cidadão pode ser levado a pensar que não há fumo sem fogo ou mesmo que o fumo já não o é apenas.


Em situação semelhante, se ocorrida com um cidadão comum, seria lícito esperar-se que reagisse de forma a que o reconhecimento da sua integridade, pessoal e funcional, fosse de imediato recolocado no lugar a que teria direito perante a opinião pública. Por maioria de razão, com um primeiro-ministro, que deve prestar contas ao país em permanência, a cada dia que passa. Não se trata de prestar contas judiciais. Para isso existem, na verdade, os tribunais. Mas as contas políticas também têm de ser prestadas e com muito maior presteza. É que os casos têm sido relatados numa sucessão alucinante e revestindo carácter de aparente grande verosimilhança e as pouquíssimas - para não dizer nulas - explicações mostraram-se esparsas, muito insatisfatórias e, quase sempre, senão mesmo sempre, em tom de enorme arrogância, como se o seu autor se considerasse deus no Olimpo, terrivelmente molestado por simples e impuros mortais a que não admite sequer ser considerado igual.

Na verdade, independentemente do processo que corria a passo de caracol coxo nas instâncias judiciais e que agora, por pressão externa de acontecimentos não controláveis, acelerou para velocidades talvez exageradas - mais tarde veremos se sim, se não... - o primeiro-ministro tem de se explicar perante o País. De forma transparente, clara, insofismável.
O primeiro-ministro de Portugal, qualquer primeiro-ministro de país decente, não pode continuar à frente do governo sem que dê explicações convincentes acerca dos já inúmeros casos em que se encontra referenciado por alegadas práticas de ilícitos criminais.

Se o não fizer, com essa sua omissão autoriza que qualquer cidadão muito justamente o considere suspeito de corpo inteiro da prática dos ilícitos que, publicamente e de forma sucessiva e diariamente reiterada, têm vindo a ser-lhe imputados.

A presunção de inocência até passada em julgado decisão condenatória, garantia penal de muito mérito e indispensável salvaguarda de direitos inalienáveis, funciona apenas para efeitos válidos intramuros judiciais, como é bastamente sabido. Cá fora, na sociedade, porém, ninguém a reconhece e aceita minimamente, por muito que o jure. E a bola de neve vai rolando e crescendo, a cada dia que passa. E o regime democrático sofre sucessivos golpes fatais.


Já nem se trata de para aqui recuperar a sempre rebuscada máxima de que à mulher de César não baste ser séria, sendo imprescindível também que o pareça, mas, isso sim, de evidenciar a necessidade que existe, em regime democrático, de que nos reclamamos, os responsáveis políticos - não só mas principalmente - responderem pelos seus actos, justificando-os ou demonstrarem que os não praticaram.

Só uma atitude isenta neste sentido será capaz de, de uma vez por todas, afastar o clima de terrível suspeição que impende sobre a terceira figura do Estado Português, ao mesmo tempo que, a persistência em não o fazer, corrói acelerada e inapelavelmente os fundamentos do Estado de Direito que é suposto Portugal ser.

As tremendas responsabilidades de José Sócrates em tudo quanto se está a passar talvez não estejam a ser entendidas na sua totalidade. Ainda. Mas sê-lo-ão, sem a menor dúvida. Esperemos que não tarde demais.


(1) Introduzidas correcções às 12,55h.
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