Os portugueses têm de salvar-se de si próprios, para salvarem Portugal

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

2460. Nós e os outros na expansão ultramarina

Um brevíssimo interregno na modorra pelas veredas da preguiça, enquanto não chega o momento do vaguear bem mais largo, para aqui trazer um pequeno extracto de um livro que ando a ler aos poucos - para, ao jeito de Fernando Pessoa, "primeiro estranhar e depois entranhar" e bem ao contrário de Marcelo Rebelo de Sousa, que duvido se aperceba minimamente do que lê, ao devorar, de soslaio, 3.500 livros por semana, ou quase, (o homem é mad mesmo) - e que me tem deixado como a acção do magnífico governo que diariamente sofremos deixou o inefável Sócrates, ou seja, "muito contentinho comigo mesmo"...

Trata-se de uma narrativa de viagens - que é muito mais do que isso - que será talvez uma narrativa de viagens de meio milénio.

"Mar das especiarias" é o título, com o subtítulo "A viagem de um português pela Indonésia", da autoria de Joaquim Magalhães de Castro, editada pela Editorial Presença.

Muito podia dizer acerca do que já li. Tudo, porém, se me afiguraria supérfluo. Porque o que realmente interessa é que cada um o leia e interiorize o espírito que o enforma. E mais não digo, acerca disto.

Para aguçar o interesse, deixo o tal extracto. Leia-se, medite-se, afague-se o ego, porque o gesto se justifica plenamente:

"A propósito da História da Expansão Portuguesa, o historiador Charles Boxer menciona, num dos seus trabalhos, uma carta do governador da Companhia das Índias Orientais que, de Batávia, escrevia o seguinte aos seus superiores na Holanda:

Passaram-se 100 anos desde que expulsámos os portugueses. Se pensam que acabámos com eles pela força de navios e de armas, destruindo sistematicamente os seus fortes, igrejas e monumentos, perseguindo a fé católica que trouxeram, estão muito enganados, porque eles continuam presentes em todo o lado através da língua e da cultura que aqui espalharam. Devemos mudar o nosso sistema. Nós viemos para ganhar dinheiro e partir o mais depressa possível, eles vinham para ganhar dinheiro mas também para ficar e a certa altura já não pertenciam mais à Europa, eram parte destas terras." *

Nunca vi em letra de forma nada que, de modo tão simples, tão despretensioso, tão frontalmente verdadeiro - até porque se tratava de um documento secreto, dirigido à Corte Holandesa por um do seus embaixadores - que tão bem explicasse, de forma a que todos entendam, o que foi e como se processou a nossa expansão ultramarina. Modo de ser, cosmopolitismo que ainda hoje se faz recordar e sentir, a despeito de centenas de anos terem passado já desde que de lá saímos.

Mas que não se pense que a Indonésia é caso único. As experiências de quem tenha percorrido este mundo são semelhantes em toda a parte, desde África às Américas, desde estas aos confins mais remotos da Ásia profunda. Mesmo no planalto desértico do Tibete, ali ao lado dos Himalaias, onde um padre da beirã vila de Oleiros, António Andrade, e o irmão andaram, lá pelos meados do século XVII, metidos em empresas de assombro e de tal modo temerosas que só portugueses conseguiam levá-las a efeito.

Por isso afirmo, convicto e prosélito, que se torna tanto mais português, mais intrinsecamente herdeiro dos heróis dos séculos XV e XVI, por perceber-lhes os intuitos e a obra que deixaram, quem tanto mais viaje pelas rotas do mundo.

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* Os nossos antepassados estiveram na Indonésia entre 1511 e 1660, ano em que os holandeses nos substituíram, isto é, vinte anos após o domínio filipino em Portugal. Esta carta terá, pois, sido escrita poucos anos após o terramoto de 1755.
...

4 comentários:

Teresa Diniz disse...

Olá Ruben
Há quanto tempo!
Pois é, tenho cada vez mais vontade de ler esse livro. Já o tive na mão e acho que não passa deste verão!
Um abraço da vizinha
Teresa

effetus disse...

Olá, Ruben.
Como diz um amigo meu, o problema de Portugal não está nos que foram, está nos que ficaram... (ele refere-se, naturalmente, aos Descobrimentos e posteriores sagas).
Um abraço.

Ruvasa disse...

Viva, Teresa!

Então, quanto mais depressa melhor, que vale a pena.

Abraço

Ruben

Ruvasa disse...

Viva, Tony!

O que é, quanto mais tempo passa, mais real.

Abraço

Ruben