Não ignoro que este conceito anda perdido das pessoas, nos dias que correm.
Nuns casos, porque nunca foi aprendido, o que é desculpável. Quem não aprendeu, não pode saber. Há que dar algum desconto, portanto.
Em outros, porém, porque foi esquecido, de tanto ter sido espezinhado e reduzido a uma massa disforme sem, pois, as características que o definem como uma dos maiores - quiçá a maior - das conquistas da Humanidade. Nestas circunstâncias, é lamentável que tenha acontecido esse esquecimento.
Não queremos, no entanto, dar a quem se preferiu esquecer, o "benefício" de continuar esquecido.
Por essa razão, aqui se relembra esta verdade elementar. As leis, todas as leis, o conceito de lei, melhor dito, nasceu da necessidade de, em caso de conflito, se protegerem os direitos de cada ser humano.
Mas tal nem seria provavelmente necessário, se os seres humanos, todos os seres humanos, pudessem defender-se por si próprios, dispusessem de meios - força física entenda-se, primacialmente - para se defenderem. Se as pessoas pudessem todas, por si só, organizar a defesa dos seus direitos legítimos, certamente que as leis seriam prescindíveis.
Mas não é isso que acontece, como sabemos.
Haveria, evidentemente, os que bem podiam passar sem leis e até gostariam de que elas não existissem, porque a vida lhes ficaria muito facilitada, em face da panóplia de meios próprios de que disporiam para fazer valer as suas reivindicações; em contrapartida, haveria os que, por um conjunto de circunstâncias adversas, ficariam completamente à mercê da razão da força, ainda que consigo tivessem a força da razão. Precisariam, pois, de algo ou alguém que os defendesse, sem o que ficariam à mercê da arbitrariedade, totalmente indefesos.
Aqui está, pois, a razão de ser da "invenção" dessa coisa chamada "lei", de que o primeiro conjunto, pelo menos o primeiro mais antigo conhecido, constituíu o Código de Hamurábi, na cidade de Babilónia, capital da antiga Suméria, na Mesopotâmia, onde hoje, mais coisa menos coisa, se situa o Iraque, lá pelo ano 1.700 a.C., ou seja, há 3.707 anos. Imagine-se!
Ora, se as leis foram criadas para proteger os mais fracos e desprotegidos, precisamente das agressões e outras malfeitorias dos mais fortes, a intenção subjacente foi a de equilibrar os pratos da balança da Justiça, dando aos cidadãos, a todos os cidadãos, garantias de que, para além da força física, de outros meios disporiam para se defender com eficácia.
Ora, assim sendo, como justificar, de forma honrada e justa, a deturpação daquele princípio, daquela recta intenção, fazendo reverter a força de institutos para-legais, pré-legais e mesmo legais em toda a acepção da palavra, no sentido de que subvertam tudo o que está contido em tantos manuais de Direito, baseados em princípios de Ética e Moral que não podem ser obliterados?
Acontece que, por ter sido julgado insuficiente a criação dessas leis de salvaguarda, chegou-se mesmo ao, ponto de nomear agentes da Justiça - no caso os representantes do MºPº - cuja missão mais nobre consiste precisamente na da defesa dos interesses dos menores e incapazes, os mais fracos, portanto.
Legislar no sentido diametralmente oposto àquele é regredir a 3.707 anos e, pior, fazer tábua rasa de tudo o que a Civilização Humana foi criando ao longo de milénos, invertendo todo o sentido humanitário-legal, ao regulamentar que o mais forte possa, à sombra da lei - imagine-se! - cortar a vida do mais fraco, sem que, quando menos, lhe pese a consciência, já que a "lei" tal lhe faculta em plenitude.
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5 comentários:
Com o devido respeito, digo-lhe que não me parece curial fazer extrapolações tão deliberadas com o único propósito de tentar confundir os mais desinformados nesta questão da despenalização..
É verdade que a justiça está feita e foi sempre feita por eles, poderosos, para benefício próprio. E qualquer cidadão melhor ou pior informado sabe disso. Neste sentido não há legislador de agora ou do passado que tenha as mãos limpas, no que concerne à falta de verdadeira justiça. Porém, generalizar essa realidade ao ponto de trazer á colação a questão do aborto e de incluir a mulher entre os poderosos, é um abuso. Tanto mais que para além do feto, está por trás, a grande maioria das vezes, uma infeliz mulher.
Mulher vítima da descriminação dos homens e da sua insensibilidade perante a pobreza material de que é vitima, e que, não raro, a leva a cometer o aborto.
Essa mulher, seja em que sentido for, não pode ser chamada de criminosa como o senhor e outros parece fazerem questão de chamar.
Para terminar, e lamento pensar assim, estou convencido de que na eventualidade do Sim ganhar, o Senhor e muitas outras pessoas, vão achar a futura lei anti-democrática.
Espero encare este comentário apenas como um ponto de vista diferente do seu e nada mais que isso.
Cumprimentos.
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Legislar no sentido diametralmente oposto àquele é regredir a 3.707 anos e, pior, fazer tábua rasa de tudo o que a Civilização Humana foi criando ao longo de milénos, invertendo todo o sentido humanitário-legal, ao regulamentar no sentido de que o mais forte possa, à sombra da lei - imagine-se! - cortar a vida do mais fraco, sem que, ao menos, lhe pese a consciência, já que a "lei" tal lhe faculta.
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Coincidência ... o meu Post de amanhã de certo modo falará do mesmo ...
Bjs
Viva, Zé Lérias!
Uma de duas aconteceu. Expressei-me mal ou leu-me a correr. Como não admito a segunda, só pode ter acontecido a primeira.
Em primeiro lugar não extrapolei fosse o que fosse. Não era – nem é – esse o meu propósito. O que pretendi e pretendo é, partindo do princípio de que as leis foram “inventadas” para proteger os mais fracos (os mais fortes protegiam-se eficazmente, já, sem necessidade de ajuda).
Afigura-se-me, pois, uma regressão chegarmos ao fim de todo este processo e, em caso de o Sim vencer a consulta, ou seja, ser autorizado o aborto livre até às 10 semanas, que é o que está em jogo, vir a legislar-se no sentido de que, até esse período, a mulher possa decidir sobre a vida ou a morte do filho que traz no ventre, sem mais aquelas. E protegida pela lei. (Peço-lhe que leia de novo este parágrafo, pense nele e conclua se, no mínimo, causa um grande mal-estar ou não à sua condição de ser humano responsável, democrata, para quem os direitos são iguais para todos e não apenas para alguns)
Uma situação destas vai ao arrepio de tudo o que a Humanidade andou a tentar edificar ao longo de milénios, desde que saímos da selva, melhor dito, do ramo da árvore onde estávamos.
Mais: uma situação destas, um tal poder entregue nas mãos das mulheres (e muitas serão responsáveis, mas outras não e as leis têm que preocupar-se com a existência de todas e não apenas de algumas), de forma tão arbitrária, só esteve nas mãos de um grupo de homens há uns anos atrás. Período esse que está ultrapassado, felizmente, embora alguns o queiram fazer reviver.
O direito de vida ou de morte sobre o semelhante, nem os Estados, ainda que organizados e regularmente escrutinados devem ter. Quanto mais qualquer pessoa indiferenciada, que nem sabemos se obedece a princípios morais e éticos ou não!
Mas, recordo, eu estive a falar na finalidade das leis. Em abstracto. E qual teria sido ela, essa finalidade?
Pois bem, a de regular as relações dos seres humanos entre si, harmonizando-as, e, acima de tudo, evitando que prevaleça a lei do mais forte, a lei da selva. Ora, neste processo, é o contrário que irá acontecer. Que as coisas assim aconteçam de forma clandestina é muito mau e deve ser evitado a todo o custo. Sim, a todo o custo. Excepto um! O custo de tudo se fazer sob o beneplácito da lei. Porque aí será pior, será mais grave, será uma ignomínia.
Tal como abomino e abjuro a pena de morte, seja em que circunstâncias for, por maioria de razão abomino e abjuro, a morte de inocentes criaturas sem qualquer tipo de defesa, e, para cúmulo, por quem e por intermédio da norma jurídica que em primeiro, lugar e mais a deveriam defender, ou seja, a mãe e a lei.
É evidente que - se o Sim vencer e, em face disso, for decretada a lei que permite o aborto livre até às 10 semanas - se trata de uam lei anti-democrática. Porque à lei, a qualquer lei, não basta ser votada por uma qualquer conjuntural maioria. Uma lei para sê-lo em plenitude – e democrática -, deverá ser aceite pela maioria da população, sim, mas também conformar-se às normas da Moral e da Ética, sem o que, embora legal, é ilegítima. E espero que não caia na tentação de pensar que as maiorias têm sempre a razão consigo.
Dou-lhe um exemplo – que espero não tome à letra, como afinidade para este caso, mas apenas como instrumento para explicitar bem o que estou a referir: as leis hitlerianas eram todas legais. Adolfo foi colocado no poder com toda a legitimidade, eleito regularmente. Mais: as leis hitlerianas eram “democráticas” – não só porque o homem do bigodinho ridículo e de gritos estridentes ainda mais ridículos, mas perigoso como poucos outros em toda a História da Humanidade, se encontrava no cumprimento de um mandato em que democraticamente fora investido – como porque, até 1944 (Julho, mais precisamente) – era aceite e aclamado pela grande maioria (quase unanimidade) do povo alemão. E que me diz? As leis hitlerianas eram legítimas? Democráticas? Sequer aceitáveis?
Quando falo em abstracto – terá que ser sempre em abstracto, no campo das ideias… – do papel das leis, da razão por que foram “inventadas”, é evidente que o legislador tem que estar à parte, afastado deste tema. Porque o legislador é falível e, ao longo dos milénios, desde Hamurábi para cá, que muitas têm sido as atrocidades cometidas por legisladores de pacotilha. No parágrafo anterior falei num deles. Por isso, Amigo, não confundamos lei com legislador. São coisas bem diferentes e não passíveis de mistura.
Claro que encaro o seu comentário de forma correcta. Nem outra coisa me passaria pela cabeça. Até porque sei que o Zé Lérias é pessoa digna, o que vai muito rareando, como sabe. Além de que formula os comentários que emite de forma correcta, sem agressões escusadas e sempre lamentáveis. É quanto basta.
Mais poderia dizer, pois que tenho a sensação de que algo mais deveria acrescentar. Não faltarão, contudo, oportunidades. Pelo que me fico por aqui.
Abraço
Ruben
Viva, Isabel!
Já de há uns anos que andamos em boa sintonia, embora não nos conhecendo pessoalmente.
Curiosamente, por vezes ficamos a conhecer-nos melhor desta forma do que em contactos mais chegados. Porque desta forma se diz muito mais, e mais pensado, do que no discurso oral.
Quanto à questão da regressão legal - e não só - é tão evidente que só admira que ninguém a ela se refira, não é verdade?
Vou dar uma espretadela, para ver se já cumpriste a promessa.
Beijinhos
Ruben
.... amanhã é que coloco o tal Post... mas se fores ver o de hoje e o de ontem ...
creio que gostarás ... anda à volta do mesmo tema ...
já agora.... não deixes de ver este cartaz ....
está genial ...
http://mundoaosquadrados.blogspot.com/
(o dono do blog talvez mude o cartza hoje ... se assim acontecer espreita via arquivo "Bonecadas Anteriores).
Bjs
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