Foi a 16 de Março de 1521, que Fernão de Magalhães, na sua circum-navegação – afinal a célebre viagem pioneira que transformou o mundo, dissipando todas as dúvidas quanto à esfericidade da Terra, e, mais, que criou o conceito de “aldeia global”, que actuais experts, parece quererem agora reivindicar… - chegou a Limasawa, pequena ilha situada na ponta sul da grande Ilha de Leyte.
A empresa de Magalhães, ao serviço de Carlos V, de Espanha, destinava-se a tentar chegar às Ilhas Molucas e às suas especiarias, por vias que evitassem encontros fortemente indesejados com o poderio das esquadras portuguesas no Índico.
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Magalhães foi, assim, o primeiro europeu a chegar ao território que hoje constitui o país chamado Filipinas, com a capital em Manila. Seguidamente, chegou à fala com o rei de Cebu, outra das grandes ilhas da região, situada a Norte de Mindanao e a Sudeste de Luzón.
O rei de Cebu, por influência dos missionários que acompanhavam Magalhães, converteu-se ao Catolicismo.
Prevendo excelentes possibilidades de ali encontrar o aliado ideal para Carlos V, de Espanha (talvez por ainda não se ter apercebido de que a região já se encontrava adentro dos limites da “jurisdição” portuguesa, decorrente da partilha do mundo acordada em Tordesilhas, em 7 de Junho de 1494),
Magalhães resolveu apoiar o rei local na sua disputa, pelo domínio da região, com Lapu-Lapu, chefe tribal da pequena ilha de Mactán, situada frente à costa sudoeste da grande Ilha de Cebu.
No decurso de tal disputa armada, em 27 de Abril de 1521, deu-se a batalha de Mactán.
Possivelmente atraído a uma armadilha, Magalhães desembarcou com 50 homens da sua tripulação para combater Lapu-Lapu, que o s
urpreendeu com uma força calculada entre 2.000 e 3.000 homens. (1)
Foi, como facilmente se imagina, um desastre total. E ao navegador português somente restou, como ponto de honra da sua integridade como líder, fazer regressar às naus, a salvo, o maior número dos seus homens que lhe foi possível, enquanto ele próprio se quedava na praia a combater os inimigos, até cair trespassado pelas lanças dos aborígenes.
Ficou, deste modo, a expedição sem comandante, que acabou por ser substituído pelo basco Sebastián Elcano, que, curiosamente, quando da passagem pelo Estreito de Magalhães, a sul da Patagónia argentina, tudo fez para que a expedição desistisse e regressasse a Sevilha, tendo sido necessária muita firmeza por parte de Magalhães para que a empresa prosseguisse.
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Deste modo, a nau Victória, única que resistiu a toda a longuíssima viagem, arribou a Sanlúcar de Barrameda, província de Cádiz, porto de partida para a aventura, por volta de 8 de Setembro de 1522, com a missão cumprida.
Haviam partido, em 20 de Setembro de 1519, duzentos sessenta e cinco homens, em cinco naus; regressaram, três anos mais tarde, apenas dezoito, dos quais dois marinheiros portugueses, na única nau que restou, a Victória. Em 1525, chegaram mais quatro membros da tripulação inicial da nau Trinidad, pelo que, ao todo, se perderam 243 vidas na epopeia.
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Precisamente cinquenta anos após a chegada de Magalhães, em 1571, o território que hoje se chama Filipinas, designação que lhe foi atribuída pelo então monarca de Espanha, Filipe II, foi colonizado pelos espanhóis, que fixaram a capital em Manila, que fundaram.
O domínio espanhol manteve-se por cerca de três séculos.
Curiosamente, porém, a tão longínqua presença portuguesa ainda se nota em certos costumes tradicionais e em traços fisionómicos, como igualmente na terminologia da língua da região.
Click na foto e nas imagens, para ampliar.
A foto mostra o monumento erguido em memória de Lapu-Lapu,
na Ilha de Mactán, em cuja praia faleceu Magalhães.
(1) Adenda de 8 Agosto 2008
O historiador Rolando Laguarda Trías, citado por Gonçalo Cadilhe no livro "Nos Passos de Magalhães", 2ª edição, Junho 2009, editado pela Oficina do Livro, sugere a teoria de que, mais do que um desastre, Mactán foi um suicídio premeditado de Magalhães.
E em que baseia esta absurda teoria, da qual discordo profundamente? Pois bem, que Magalhães se sentia humilhado e, consequentemente, desonrado, por, contrariamente ao que pensara, as Molucas - que hoje integram as mais de três mil ilhas do arquipélago indonésio, sensivelmente a nodeste de Timor-Leste - encontravam-se dentro dos limites da metade portuguesa da divisão do mundo acordada em Tordesilhas e não na espanhola. E, com tal desonra, ser-lhe-ia "impossível" apresentar-se perante Carlos V, seu patrocinador.
Se bem que, a um primeiro relance, a teoria possa apresentar-se com alguma verosimilhança, uma análise mais cuidada das circunstâncias logo a afastada, fortalecendo a ideia de que a História é passível de interpretações as mais diversas. Umas mais credíveis do que outras, evidentemente. Por mim, não adiro a esta. Porquê?
Muito embora ao tempo estas questões de honra se saldassem frequentemente por decisões semelhantes, o que "desculpará" Laguarda Trías, do que se sabe do carácter de Magalhães - e há inúmeros exemplos na sua vida - não era homem de se deixar abater por um qualquer infortúnio. E menos ainda - o que me parece uma afronta ao navegador - que tal "infortúnio" o levasse, consciente e criminosamente, a conduzir-se e, principalmente, a conduzir dezenas de homens confiados ao seu zelo e que o acompanhavam há já dois anos, por tormentos indescritíveis, que, é sabido, criam solidariedades muito fortes, para uma tal mortandade.
Ora, que "infortúnio" seria esse que, na estranha teoria de Trías, poderia ter levado Magalhães a tão tresloucado acto? Vejamos se haveria razão para tal.
Pois bem, o "infortúnio" teria consistido num erro de cálculo de 5º de longitude. Dito de outra forma: antes de sair de Sevilha e de Sanlúcar de Barrameda, em meados do séc. XVI (não hoje), Magalhães imaginava que as Molucas estariam a leste do anti-meridiano de Tordesilhas, situado a 133º a leste de Greenwich, potanto na metade espanhola do mundo, quando a verdade é que estavam no meridiano 126º - que então, no local, calcularam ser o 128º. Logo e como disse atrás, um erro de cálculo de 5º, ou seja, de um terço de um meridiano terrestre, e feito à distância, no primeiro cartel do séc XVI, insisto!
Há mais, contudo:
Mesmo que esse erro fosse razão suficiente para que o comandante de uma esquadra daquela dimensão, que iria terminar a primeira circum-navegação (não esqueçamos que Magalhães não terminou pessoalmente essa epopeia, mas, ao chegar às Filipinas pelo Leste completou tal circum-navegação, pois que já lá tinha estado, anos antes, vindo de Oeste, ou seja, da Índia), cometesse, e obrigasse a cometer, tão tresloucado e irresponsável suicídio colectivo, convém não esquecer que a honra do fidalgo estava mais do que garantida com a empresa que levava a cabo e que o imortalizou como navegador e explorador de territórios de gabarito ímpar.
Ora, Magalhães tinha instrução suficiente e capacidade de raciocínio e de análise mais do que bastante para se aperceber disso mesmo. Como tal, até por uma questão de pequena contribuição para a limpeza da honra do mais importante navegador de todos os tempos, sugiro que se esqueça tal abstrusidade.
Se fosse historiador, coibia-me um pouco, porque, enfim, "noblèsse oblige", e, assim, não poderia escusar-me a observar um certo grau de solidariedade entre oficiais do mesmo ofício. Felizmente, porém, não o sou. Limito-me a analisar os factos que a História e as suas interpretações diversas trouxeram até mim. Não me sinto, pois, travado de modo a não afirmar que tudo isto me leva a concluir que tão abstrusa teoria - baseada em pressupostos quase infantis, quiçá de mera propaganda política - que tantas vezes nos surpreende com atitudes de quem ainda não passou da meninice - seria bem caso para se desejar que Rolando Laguarda Trías "fosse a Barrameda" e de lá nunca mais saísse... pelo menos até ganhar alguma consistência na interpretação de factos históricos, porque, ele sim, terá sido acometido de verdadeiro "descalabro moral", não o que afirma ter sido o de Magalhães.
(Os factos e considerações a que faço referência estão consignados no livro de Gonçalo Cadilhe que atrás mencionei, o qual, no entanto, se limitou a transcrevê-los, sem os comentar, o que me pareceu não repor aquilo que parece verdade indesmentível, pelo que me julguiei na obrigação de sair em defesa de Magalhães, a despeito de o navegador dispor, como defesa maior, a sua vida e o exemplo que dela se pode colher).
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