
É hábito - de muito mau gosto, forçoso é que se diga - alegar-se em abono de tal tese as questões relacionadas com o encerramento de estabelecimentos hospitalares em quantidades verdadeiramente espantosas (e, em enormíssimo número de casos, sem justificação minimamente aceitável), a redução nas comparticipações do Estado em receitas medicamentosas, o aumento indiscriminado e cego das taxas moderadoras, bem como o corte abrupto de vários direitos a nível de cuidados de saúde até agora vigentes.
Pois bem, não obstante os fundamentos invocados parecerem razoáveis ex abundante, dizer-se tal constitui verdadeira aleivosia e só pode afirmá-lo quem, por razões - certamente ínvias - pretende denegrir os esforçados trabalho e competência do referido e muito estimável senhor e do mui excelso governo que capitaneia com alto e gabarito e mestria jamais vista.
É, pois, necessário repor a verdade. De imediato, se possível. E é-o.
Por isso, hic et nunc me apresso a vir fazê-lo proclamando, urbi et orbi que o senhor Pinto de Sousa e o seu nunca por demais incensado grupo de ministros, secretários de estado e correlativos, não consideram - nem jamais consideraram - a odiosa hipótese de coarctar aos portugueses o sacrossanto direito de adoecerem. Sim, os portugueses podem ficar absoluta e definitivamente descansados: ninguém os vai proibir de adoecerem. Era o que mais faltava! Adoeçam, pois, sossegadamente e com a maior das alegrias.
O que não se aceita de boa mente nas altas esferas decisórias do país, isso sim, é que, uma vez doentes, tenham o sumo desplante de desejar ser tratados em condições de dignidade humana e recuperar a saúde o mais rápida e eficazmente possível.
(Abra-se um pequeno parêntese para esclarecer que, fora do imbróglio, ficam apenas as mulheres que decidam abortar, o que parece justo, pela humanidade implícita no acto).
E pronto! Aqui ficam repostas a verdade e a justiça. Como era devido.
Que ninguém mais ouse dizer - pensar, sequer! - que os aludidos senhor e governo se preparam para não permitir que os portugueses continuem a desfrutar do inalienável direito de adoecer. Porque tal não é verdade. Permitem, sim senhor. E sem qualquer restrição. Adoeçam para aí, portanto, o mais que puderem, indiscriminadamente. O problema até é vosso. De quem adoece, evidentemente! Portanto, amanhem-se
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Nota final para manifestação de estranheza:
Curiosamente - talvez não?! - desde que o actual governo e seu chefe, senhor Pinto de Sousa, tomaram em suas lavadas e alvas mãos as rédeas do cavalo do Poder, jamais se ouviu o também muito estimável senhor Jorge Sampaio afirmar - enfaticamente ou menos - que há vida para além do déficit, frase que, como é sabido, proferia antes com todo o garbo e pundonor que são apanágio seu - bem como a quilométrica prolixidade de Luís de Góngora - para grande gáudio da rapaziada d'habitude.
Mas talvez que tal circunstância se fique a dever a evolução do esclarecido pensamento do senhor em causa que, quiçá, terá, entretanto, concluído que, contrariamente ao que vinha de supor, afinal, talvez seja emais exigir-se que, para além do déficit haja vida, mas já não o seja tudo fazer para que haja dor, angústia, sofrimento e, muito a final de tudo, a salvífica morte, ainda que desamparada.
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